Após 24 anos de existência, o Código de Defesa do Consumidor vai passar por uma atualização. O objetivo é adaptá-lo às mudanças nas relações de consumo, especialmente aquelas decorrentes dos avanços tecnológicos e de mudanças econômicas não previsíveis ao momento da concepção do código.
Nessa entrevista, Mariana de Araujo Ferraz, advogada e coordenadora educacional do Procon Carioca, fala sobre as principais mudanças nas relações de consumo ao longo dos últimos 24 anos, as áreas que concentram mais queixas dos consumidores, as principais mudanças que estão sendo discutidas, o Plano Nacional de Consumo e Cidadania (Plandec), e também sobre sua percepção a respeito da atuação dos consumidores brasileiros em defesa de seus direitos.
Rede Mobilizadores – Quais foram as principais modificações nas relações de consumo no Brasil após a edição do Código de Defesa do Consumidor (CDC)?
R.: O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma lei federal publicada em 11 de setembro de 1990. É importante notar que o CDC é um instrumento extremamente avançado para sua época, pois estabelece normas gerais capazes de regrar as mais diversas formas de manifestação das relações de consumo. Por esse motivo, o CDC é chamado de um código principiológico.
Destacamos também o fato da legislação consumerista brasileira ser uma verdadeira referência internacionalmente, servindo de exemplo para muitos países que ainda se encontram em processo de concepção de suas normas de proteção ao consumidor. Em setembro de 2014, o CDC completará 24 anos, e ainda que contemos com suas características tão avançadas, algumas mudanças substanciais nas relações de consumo nessas últimas décadas trouxeram a necessidade de certa atualização na proteção e defesa do consumidor. Uma das primeiras mudanças que nos vem à mente relaciona-se com o avanço das tecnologias e da comunicação. A popularização da internet trouxe consigo um novo meio para viabilização da relação de consumo, tornando possível o grande mercado das compras online. Outra verdadeira revolução diz respeito à ampliação do mercado de telefonia celular, que cada vez mais vem sendo entendido com um produto essencial. Destacam-se também as políticas de ampliação do acesso ao crédito, difundido amplamente entre as classes sociais antes excluídas do mercado de consumo. Os mecanismos de publicidade e marketing avançam para outros meios. Assim, o que antes era propagado por meio da TV e rádio, hoje assume outros formatos na internet, mensagens de celulares, merchandising, etc., trazendo com isso necessidades mais específicas de proteção.
Rede Mobilizadores – Quais áreas concentram o maior número de queixas dos consumidores? O que tem sido feito para melhorar esses setores?
R.: Frequentemente, os setores que lideram os rankings de reclamações dos Procons (Sindec) e de entidades de defesa do consumidor referem-se aos assuntos financeiros (bancos e administradoras de cartão de crédito), telecomunicações (telefonia e internet), planos de saúde e venda de produtos no varejo. Diante disso, algumas políticas preventivas vêm sendo postas em prática, como acordos de metas para redução de reclamações, estabelecidos entre fornecedores e o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, ou no âmbito dos próprios Procons. Outros regramentos se dão pelas agências reguladoras, como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional de Saúde (ANS). O registro das reclamações nos Procons é extremamente importante para que se identifiquem problemas estruturais e, com isso, possa ser desenvolvido a regulação pertinente, e também para que possam ser impostas as sanções administrativas cabíveis, como a imposição de multas, por exemplo.
Rede Mobilizadores – Por que o CDC deve ser atualizado? Quais os principais pontos dessa atualização?
R.: A necessidade de atualização de alguns pontos do CDC deve-se às alterações substancias nas relações de consumo, em grande parte, em virtude de avanços tecnológicos e mudanças econômicas não previsíveis ao momento da concepção do código. Apesar de sua linguagem principiológica que compreende as relações de consumo como um todo, hoje identificamos situações que merecem uma atenção especial para proteção e defesa do consumidor. Os principais pontos dessa atualização, que está tramitando no Congresso Nacional, estão dispostos em três projetos de lei: PLS 281/2012; PLS 282/2012; e PLS283/2012. O primeiro deles diz respeito ao comércio eletrônico, que foi difundido largamente nos últimos anos em virtude da popularização da internet. Trata, por exemplo, de regras para melhor identificar o fornecedor nas compras online, obrigando-o a disponibilizar seus dados em local de destaque nos sites, como nome empresarial, CNPJ, endereço físico e virtual. Essa regra é de grande importância, tendo em vista a necessidade de identificação do fornecedor para que o consumidor possa fazer reclamações ou até mesmo entrar com uma ação judicial. Contempla-se também a questão do direito de arrependimento das compras online, que já existe hoje no CDC, mas na nova proposta abrange os eventuais contratos acessórios para desistência das compras online em 7 dias sem custos para o consumidor. Outra questão também abordada nessa esfera diz respeito à responsabilização pelo vazamento dos dados pessoais do cliente, que vem sendo usado indiscriminadamente como meio de assédio na propaganda e marketing. A proposta veda o envio de mensagens eletrônicas não solicitadas (“spams”), o que pode abranger desde os e-mails inconvenientes com as mensagens de texto no celular. Por sua vez, o PLS 282/2012 trata das ações coletivas, prevendo mecanismos de maior agilidade na justiça e extensão das decisões nos casos que atinjam todo território nacional. Já o PLS 283/2012 diz respeito a um maior regramento da oferta de crédito, uma vez que grande parte da população encontra-se num estado de “superendividamento”, ou seja, com a renda comprometida ao ponto de não conseguir satisfazer suas necessidades básicas. Nessa proposta, o fornecedor do crédito (banco, financeira, etc.) é obrigado a informar o custo efetivo total (juros e outros encargos), proibindo-se a propaganda que use expressões como “taxas de juros zero” ou “parcelamento sem acréscimo”. O fornecedor deverá ainda avaliar a condição do consumidor de pagar a dívida, concedendo assim um crédito responsável.
Rede Mobilizadores – O que acha do projeto de lei que tenta evitar o superendividamento dos consumidores? Por que ele tem gerado tanta polêmica?
R.: A polêmica sobre o projeto de lei que visa evitar o superendividamento ocorre devido ao conflito de interesses entre a defesa do consumidor e os lucros aferidos pelos fornecedores de crédito. Uma das propostas do PL sedimenta o conceito do “mínimo existencial” que seria a quantia mínima para o saldo das despesas básicas que garantam a sobrevivência. Esse mínimo existencial deveria ser preservado em face da dívida contraída. Critica-se, por exemplo, a proposta que proibiria o comprometimento de mais de 30% da renda na contratação de crédito consignado (com o intuito justamente de preservar o mínimo existencial).
Rede Mobilizadores – O governo lançou, em 2013, o Plano Nacional de Consumo e Cidadania (Plandec), para garantir a melhoria na qualidade de produtos e serviços. Que mudanças o consumidor pode esperar a partir de agora?
R.: O Plandec imprimiu o caráter de política de Estado à defesa do consumidor. Isso faz com que o objetivo da proteção e defesa do consumidor seja de responsabilidade intersetorial. Um exemplo concreto disso é a criação de comitês técnicos, que integram diversos ministérios, agências reguladoras, empresas e entidades de proteção e defesa do consumidor para atuar sobre temas como turismo (tendo em vista os grandes eventos desportivos); regulação (com o objetivo de fortalecer a participação social no processo regulatório); e pós-venda (visando a garantia da qualidade de atendimento e solução de problemas ao consumidor).
Rede Mobilizadores – O Plano prevê a criação da Câmara Nacional de Relações de Consumo, e a formulação de uma relação de produtos essenciais ao consumidor, que terão eventuais problemas, no período de garantia, solucionados imediatamente. Como está o processo de criação dessa lista? O que significa troca imediata?
R.: O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 18 § 3º, determina que o consumidor tem direito à solução imediata dos problemas em produtos essenciais, caso esses apresentem vícios dentro do prazo da garantia legal. No caso de outros produtos (não essenciais), o fornecedor tem um prazo de 30 dias para resolver o problema. No entanto, apesar dessa previsão legal, o CDC não discrimina quais seriam os produtos essenciais. Existem entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que apontam ser essenciais produtos como geladeira e alimentos. Cada vez mais ganha corpo a tese de que o telefone celular, nos dias de hoje, deveria ser entendido como produto essencial. Devido a essa imprecisão, o Plandec propôs a criação de uma Câmara Técnica para definição de uma lista dos produtos essenciais, que deveria ter sido publicado 30 dias após o lançamento do Plano, em março de 2013. Mas, até o momento, o Decreto que publicará a lista dos produtos essenciais ainda não foi assinado pelo Executivo.
Rede Mobilizadores – Como avalia a mobilização dos consumidores brasileiros? O que é preciso fazer para termos consumidores mais ativos na defesa de seus direitos? Quais as estratégias mais eficazes demobilização dos consumidores?
R.: Existem diversas formas de mobilização de consumidores, e elas podem se dar desde a esfera pessoal até o engajamento social. Na esfera pessoal, vemos cada vez mais os consumidores entendendo suas decisões de compras como verdadeiras ações políticas, na medida que estimulam ou desestimulam certas práticas de mercado. Isso ocorre, por exemplo, nas práticas de “consumo verde” em que a pessoa prefere consumir produtos com baixo impacto ambiental, ou outras práticas de consumo consciente, no qual o indivíduo prioriza fornecedores socialmente responsáveis, como por exemplo, compras provenientes da economia solidária. No campo da alimentação, isso vem tomando força no Brasil. Cada vez mais pessoas se interessam em consumir alimentos orgânicos, produzidos sem agrotóxicos ou transgênicos, provenientes da agricultura familiar e produção local. É interessante notar que a ação individual, quando reproduzida em escala, ganha grande força de redirecionamento das práticas de mercado. Outro exemplo advém do engajamento social por meio de associações de consumidores. No Brasil, um dos principais exemplos de sociedade civil organizada que visa à defesa dos direitos dos consumidores é o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Essa associação é formada e sustentada por consumidores, sem qualquer vinculação a governos ou partidos políticos. Por meio de associações como essas, o consumidor manifesta-se politicamente pelas mais diversas formas (Audiências e Consultas Públicas; representações em conselhos; cartas públicas para empresas ou setores; ações civis públicas, etc).
Concedida à: Eliane Araujo; Editada por: Sílvia Sousa
Prezada professora, Mariana Ferraz e demais colegas, feliz dia!
Excelente iniciativa através do material disponibilizado pelo curso.
São ações como essa que levarão o conhecimento sobre os Direitos do cidadão de uma forma dinâmica e atualizada.
As ferramentas tecnológicas são um grande avanço e vejo que como esse assunto sobre o Código de Defesa do Consumidor atinge diretamente toda a população é fundamental que possamos nos tornar multiplicadores dessas informações através deste curso e outros que virão.
Parabéns, pela iniciativa e muito grata! Peço desculpas, por não ter acessado mais vezes, pois estive com dificuldades de acesso, mas tudo resolvido através da equipe técnica (suporte).
Muito grata e sucesso!
Atenciosamente,
Simone Silva.
Parabenizar Mariana Ferraz pela brilhante iniciativa de trazer esse assunto a voga junto a rede Mobilizadores, aos colegas participantes do debate inicial de um tema de fundamental importância para o momento que estamos vivendo,onde as relações de consumo são extremamente divergentes, considerando que o consumidor, na sua maioria, pela falta de informação técnica dos produtos e serviços;de conhecimento do seu direito, torna-se cada vez mais, vítima de um sistema que se prevalece justamente desse fator, para obter ampla vantagem, prejudicando-o.
Acredito ainda que a revisão e atualização do Código é super pertinente,a medida que estamos avançando para um nível maior de consciência do cumprimento pleno das exigências constantes na relação de consumo pelas partes em todos os segmentos.
A entrevista foi excelente e já podemos vislumbrar positivamente os resultados do Curso. Abraços e Parabéns a todos.
Sou Psicóloga e trabalho no INSS em Recife. Componho a equipe de Saúde e Qualidade de Vida dos Servidores. Preocupada com o crescente número de queixas dos servidores acerca de problemas decorrentes de endividamento apresentei proposta o Projeto de Saúde Financeira. O Projeto visa oferecer Desenvolver ações para estimular a criação de parcerias entre órgãos públicos federais e estaduais e organizações não governamentais acerca de Saúde Financeira de Servidores Públicos por meio da socialização de experiências e saberes nas áreas de Educação Financeira (Estratégia Nacional de Educação Financeira – ENEF com a finalidade de promover a educação financeira e previdenciária e contribuir para o fortalecimento da cidadania, a eficiência e solidez do sistema financeiro nacional e a tomada de decisões conscientes por parte dos consumidores – Decreto nº DECRETO Nº 7.397, de 22 de dezembro de 2010; Tratamento Administrativo, Jurídico e Financeiro de problemas relacionados ao endividamento com a participação de parceiros como O Proendividaos do TJPE, PROCON Recife, Gerência Regional do Banco Central em Recife, Educação para o Consumo com a participação de professores Departamento de Economia Doméstica da Universidade Rural de Pernambuco. Contamos com a adesão da Defensoria Pública da União, Promotoria de Defesa do Consumidor (Ministério Público de Pernambuco), ADECCON (Associação de Defesa do Consumidor e Cidadania), CIAPPI – Centro Integrado de Atenção à Pessoa Idosa vinculado à Secretaria Executiva de Justiça e Direitos Humanos – SEJUDH, sob a coordenação da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos.
Inicialmente realizamos uma pesquisa On-Line voluntária e confidencial, para verificar o índice de servidores com problemas relacionados ao endividamento. A partir deste diagnóstico passamos a definir internamente as estratégias de estabelecer e fortalecer as parcerias a fim de identificarmos um fluxo de encaminhamento padrão para as demandas relacionadas a problemas de endividamento.
Fazer este curso abrirá para mim novas possibilidades. Tenho expectativas de receber contribuições de todos.
Grata,
Berta Soares
INSS/PE
Muito importante esta iniciativa Berta. Acredito que servirá de incentivo à criação de práticas semelhantes em vários outros segmentos; pois percebemos a imensa necessidade da sociedade; principalmente dos menos favorecidos; de informações e conhecimentos quanto as relações de consumo e sua abrangência.
Penso que a sociedade civil organizada estará mais apta a buscar os seus direitos e vê-los concretizados, haja vista que a atualização do Código de Defesa do Consumidor, vai contemplar as mais diversas e atuais relações de consumo.
Prezada Mariana e Colegas,
Com certeza devemos comemorar este futuro 25 anos de existência do Código de Defesa do Consumidor, pois é mais um instrumento de garantia da cidadania.
Adaptá-lo (CDC) às mudanças nas relações de consumo, especialmente aquelas decorrentes dos avanços tecnológicos e de mudanças econômicas vêm ao encontro das necessidades que a sociedade apresenta. Parabéns a todos e a todas que participam deste processo.Abraços