A inclusão da pessoa com deficiência na escola regular está prevista em lei, mas continua sendo um desafio e gerando polêmica. Muitas escolas ainda não estão preparadas e muitos professores não têm o treinamento adequado para promover essas inclusão. No caso das pessoas surdas, o desafio parece ser ainda maior, pois elas enfrentam a barreira da comunicação.
Há uma grande corrente de educadores e outros profissionais que defende a educação bilíngue para a pessoa surda. A surdez implica uma diferença cultural e o surdo possui uma forma própria de aprender e de entender o mundo diferente da forma do ouvinte, por isso ele precisaria de uma educação adequadas as suas necessidades.
Nessa entrevista, Cláudia Denise Borges dos Santos conta um pouco de sua experiência como aluna surda e sobre as dificuldades que percebe para que as pessoas com deficiência sejam incluídas na escola regular. Cláudia está concluindo o curso bilíngue de graduação em Pedagogia no Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) e dá aulas para algumas crianças surdas e com outros tipos de deficiência.
Rede Mobilizadores – O que acha da inclusão da Pessoa com Deficiência na escolar regular?
R.: A lei estabelece que a escola regular de qualquer nível ou modalidade de ensino, ao viabilizar a inclusão de alunos com deficiência e/ou necessidades especiais, deverá promover a organização de classes comuns e de serviços de apoio pedagógico especializado.
Mas, o processo da inclusão é um desafio tanto para os alunos como para os professores. Como aluna surda enfrentei vários obstáculos com alguns professores que não entendiam a necessidade de remover as barreiras que impossibilitam a aprendizagem de alunos com deficiência. Esses alunos necessitam de apoio diferenciado.
Quando as escolas recebem os chamados “os alunos de inclusão”, a maioria dos professores reage com certo desconforto, porque, geralmente, não aprenderam a trabalhar com esses alunos e têm pouca ou nenhuma informação sobre os processos de aprendizagem e desenvolvimento dessas crianças.
A inclusão implica no desenvolvimento humano, na formação da pessoa, portanto, não se limita à socialização do aluno no contexto escolar. Toda criança que chega à escola pela primeira vez, necessariamente, passa por um processo de socialização, uma vez que ela precisa se apropriar da cultura escolar, isto é, do conjunto de comportamentos, normas e regras específicos do contexto escolar. Esta socialização não é restrita às crianças e jovens com impedimentos causados pela diversidade biológica.
O desenvolvimento humano de todos é o objetivo da vivência na escola, principalmente no que diz a respeito à apropriação de produtos da cultura humana e ao desenvolvimento de formas de ações para que esta apropriação ocorra. Desta forma, a aprendizagem dos conhecimentos escolares faz parte dos objetivos da ação educativa: o ser humano vai à escola para aprender coisas que não aprende na vida cotidiana, nos vários contextos dos quais participa.
Rede Mobilizadores – Qual é a legislação que prevê a inclusão da pessoa com deficiência na escolar regular?
R.: A educação, como um direito de todos os cidadãos foi estabelecida pela Constituição Federal do Brasil (1988) e foi reafirmada pela Lei de Diretrizes de Bases da Educação Brasileira (LDB), Lei n° 9394/96, que destina o Capítulo V à Educação Especial. O art. 58 da LDB define que a educação dos alunos com necessidade especiais deve ser realizada, preferencialmente, na rede regular de ensino. Assim, a Educação Especial, que era vista por muitos como uma modalidade usual de atendimento às pessoas com necessidades especiais e, principalmente, das pessoas com deficiências, deve atuar como complemento da Educação Básica ou Superior, um instrumento que deve estar disponível quando necessário.
Cabe ao governo e, em 2° plano, às escolas, a matrícula da criança com necessidades educacionais especiais no ensino regular, envolvendo também o compromisso de oferecer a todos os alunos um ensino de qualidade.
O processo de inclusão requer dos professores uma atuação baseada em princípios igualitários e a consciência de que a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais constitui um direito fundamental.
Rede Mobilizadores – É possível, incluir pessoas com todos os tipos e graus de deficiência? Por quê?
R.: Sem dúvida. A inclusão não admite qualquer tipo de discriminação, e os mais excluídos sempre são os que têm deficiências graves. Mas no caso das crianças surdas, uma corrente defende a educação bilíngue (em Língua Brasileira de Sinais – Libras e em português) e não a inclusão na escola regular.
Imagine um professor com 30 alunos e apenas um deles surdo. Ele acaba dando prioridade aos 29 ouvintes, e aquele que tem surdez tem de fazer um esforço extraordinário para tentar acompanhar as aulas. Em geral, ele não consegue.
Quando você vai ensinar uma matéria para um aluno surdo, por exemplo, é importante que, antes, você tente familiarizá-lo com o tema, caso contrário ele não consegue acompanhar a aula.
No caso das demais deficiências, não há a barreira da comunicação. Há crianças que vão à escola de maca e, apesar do raciocínio comprometido, são respeitadas pelos colegas, se integram à turma e são participativos. Em outros casos, a criança não consegue interagir porque está em surto e precisa ser tratada. Nesses casos, é preciso que o professor saiba o momento adequado de encaminhá–la para tratamento. É importante manter vínculos com o atendimento clínico especializado.
Para que a inclusão de fato se concretize, é necessário que os professores estejam preparados para lidar com esse tipo de situação, e, em geral, eles não estão. O art. 59, inciso III, da LDB diz que os sistemas de ensino vêm assegurar aos educandos com necessidades especiais “professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns”. Mas, na prática, isso geralmente não acontece.
Rede Mobilizadores – Você estudou em escola regular? Como foi a sua experiência?
R.: Sim, sempre estudei em escola regular. No Jardim de Infância só tinha uma explicadora para acompanhar o meu desenvolvimento. Depois, entre 1968 e 1984, do Ensino Infantil até o Ensino Fundamental, estudei numa escola particular regular, e, no Ensino Médio fui para uma escola pública, também regular.
Não fui alfabetizada na Língua Brasileira de Sinais (Libras) e nunca tive o auxílio de um professor que a conhecesse. Só fui aprender essa outra língua quando já era adulta, aos 26 anos, no meu primeiro emprego, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Ao longo do tempo, ganhei experiência de aprender, estudar e ter sucesso no aprendizado. Alguns professores me ajudaram a ir além dos meus limites para me dedicar ao meu futuro e estou concluindo meu curso de Pedagogia.
Hoje, no entanto, a lei estipula que, havendo um aluno surdo em uma classe regular com inclusão é necessário um professor de apoio que saiba Libras para auxiliá-lo em todas as disciplinas. Para que a inclusão realmente aconteça, a lei tem de ser cumprida. Porém, há uma corrente que defende a educação bilíngue.
Rede Mobilizadores – Como professora, o que observou em sua prática profissional a respeito da inclusão de pessoas com deficiência?
R.: Como professora, tive de modificar a minha prática para atender as necessidades dos alunos, porque as disciplinas para alunos com necessidade educacionais especiais são as mesmas, só que adaptadas às necessidades de cada um. Antes de começar a lecionar, é preciso avaliar o que sabem e de quais habilidades dispõem, considerando o grau de dificuldade de cada um. Essa análise deve ser o ponto de partida para elaboração dos planos de estudo que serão colocados em prática e das matérias a serem aplicadas na educação inclusiva, tanto na teoria quanto na prática.
Para atender os alunos com deficiência, o professor deve desenvolver o currículo com a flexibilidade necessária para atender as diversas condições dos alunos e, no turno inverso, quando necessário, deve desenvolver outras atividades, tais como aquelas relacionadas à vida autônoma e social para alunos com deficiência mental; desenvolvimento de linguagem, com aulas de língua portuguesa e Libras, para alunos surdos; atividades de informática, etc.
Rede Mobilizadores – Na sua avaliação, o que é essencial observar para que a inclusão seja bem sucedida?
R.: O fundamental é saber conhecer o potencial e as limitações dos alunos e saber trabalhar em cooperação. Para uma criança ser alfabetizada em Língua Portuguesa, conhecida como L2, ela deve ser atendida por um professor de Língua Portuguesa capacitado para isso.
Se numa turma tem uma criança surda e a professora vai dar uma aula sobre o Egito, antes é preciso mostrar à criança fotos, gravuras e vídeos sobre o assunto. E explicar o significado de novos vocábulos, como pirâmide e faraó. Na aula, o material de apoio visual, textos e leitura labial facilitam a compreensão do conteúdo. Passei a observar que os alunos surdos com outras deficiências associadas – como deficiência intelectual ou deficiência física – têm capacidade de aprendizagem, mas o progresso é demorado. Dependendo da limitação de cada um, o uso uma estratégia diferente pode ajudá-lo no processo de aprendizagem.
Tenho uma aluna com paralisia cerebral, cujos pais não aceitam e nem revelam a doença. Há vários graus de comprometimento da paralisia cerebral, dos mais leves aos mais graves. Ela possui habilidades suficientes para ser alfabetizada, mas tem pouca coordenação para escrita e dificuldade para falar. Procuro estabelecer uma comunicação com ela usando alguns recursos da Libras.
Ninguém se forma no vazio. Formar–se supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagem, um sem fim de relações. É fundamental que as escolas regulares garantam a oferta de educação bilíngue – em Libras como a primeira língua e na modalidade escrita da Língua Portuguesa como 2ª língua – aos alunos surdos e com deficiência auditiva, de zero a dezessete anos, nos termos do art. 22 do Decreto n° 5.626/ 2005, e dos arts. 24 e 30 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como adotar o Sistema Braille de Leitura para cegos e surdo–cegos.
Entrevista concedida a: Eliane Araujo
Editada por: Sílvia Sousa