Recém lançado, o Portal de Dados Abertos sobre Agrotóxicos foi criado pelo Grupo de Engenharia do Conhecimento (Greco) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e reúne, em um único ambiente virtual, dados de interesse público sobre agrotóxicos.
O portal surgiu a partir do engajamento Alan Tygel, que concluiu doutorado no Programa de Pós-graduação em Informática (PPGI) da UFRJ, sob orientação da professora Maria Luiza Machado Campos. Todo o desenvolvimento foi realizado em conjunto com a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, que faz atualmente faz a curadoria dos dados.
Um dos grandes diferenciais do portal é dar maior transparência a dados públicos para que a população possa entender e participar com mais qualidade das decisões.
Nessa entrevista, Tygel fala sobre o portal e analisa diversos aspectos relacionados ao crescente uso de agrotóxicos no Brasil e a baixa confiabilidade dos dados divulgados sobre a quantidade de veneno usado nas lavouras. Ele ressalta que “já temos evidências mais do que suficientes para proibir o uso de agrotóxicos no Brasil” e que “um bom compêndio dessas evidências pode ser visto no Dossiê Abrasco sobre Agrotóxicos.
Rede Mobilizadores – Quais os principais problemas no acesso a dados sobre produção, comercialização e agravos decorrentes de uso de agrotóxicos no Brasil?
R.: Existe um problema central: não há controle informatizado sobre a venda de agrotóxicos no Brasil, e, portanto, não há dados totalmente confiáveis sobre a quantidade de venenos usados em nosso país. O que temos, e está divulgado no portal, são informações fornecidas diretamente pelas empresas aos órgãos reguladores – Ibama, Anvisa e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), mas que são publicados apenas pelo Ibama. Essas informações são restritas, pois se referem apenas à quantidade de Ingrediente Ativo (substância que faz efeito), e não ao volume de produto formulado (que contém outras substâncias prejudiciais à saúde). Além disso, os dados publicados pelo Ibama não especificam a cultura pulverizada, e também ocultam informações sobre substâncias quando há menos de três empresas detentoras do registro, para preservar o “sigilo comercial”.
não há controle informatizado sobre a venda de agrotóxicos no Brasil, e, portanto, não há dados totalmente confiáveis sobre a quantidade de venenos usados em nosso país.
O sindicato das empresas produtoras de agrotóxicos divulgava os dados sobre consumo, mas viram que estavam passando vergonha com tamanha carga tóxica, e pararam de apresentar esses dados. Agora, falam apenas os valores (em dólares).
A solução para isso seria muito fácil: para que uma casa agropecuária possa vender uma embalagem de agrotóxico, é necessária uma receita agronômica, onde consta o produto, o volume, a cultura, a doença, a forma de aplicação, o responsável pela prescrição, entre outros. Se esses dados fossem digitalizados e oferecidos ao público, já haveria uma redução no uso de agrotóxicos, pois certos agrônomos teriam um pouco mais de pudor antes de assinar mil receitas por dia, como temos notícia de que acontece. Ora, ele precisaria visitar a propriedade para avaliar o que vai receitar. Será que visita mil fazendas por dia? Depois, teríamos um controle muito maior sobre o uso, e a possibilidade de fazer estudos para analisar a correlação entre o uso de certos tipos de agrotóxicos e a ocorrência de doenças que podem ser causadas por eles.
O câncer, por exemplo, é uma doença complexa e multi-fatorial. Normalmente não é fácil correlacionar um câncer com apenas um fator. Mas, se percebemos que uma região tem ocorrências de um certo tipo de câncer acima da média, e se sabemos com exatidão que um tipo de agrotóxico que pode provocar esse câncer está sendo usado ali, temos mais força para tomar medidas.
Em relação aos dados sobre agravos, o Sistema Único de Saúde (SUS) possui uma boa estrutura de captação e divulgação desses dados através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e do DataSUS. A intoxicação por agrotóxico é uma doença de notificação compulsória, e, por isso, o serviço deve preencher uma ficha relatando cada caso. Os problemas que temos são decorrentes das falhas do próprio SUS, já que os agricultores intoxicados muitas vezes não chegam ao serviço, seja por que a empresa proíbe, seja por que é longe. Há casos em que o diagnóstico não é feito, pois os profissionais não tiveram ênfase em intoxicação por agrotóxicos em sua formação.
Ainda assim, é preciso ressaltar sempre que já temos evidências mais do que suficientes para proibir o uso de agrotóxicos no Brasil.
Ainda assim, é preciso ressaltar sempre que já temos evidências mais do que suficientes para proibir o uso de agrotóxicos no Brasil. Um bom compêndio dessas evidências pode ser visto no Dossiê Abrasco sobre Impactos dos Agrotóxicos na Saúde. Infelizmente, o trabalho que temos no portal apenas disponibiliza mais informações sobre algo que já temos evidências para agir.
Rede Mobilizadores – Qual a proposta do Portal de Dados Abertos sobre Agrotóxicos e o que o motivou a propor a sua criação?
R.: A questão dos agrotóxicos no Brasil é complexa. Há vários fatores envolvidos, e várias áreas do conhecimento. Há desde a química e a toxicologia relacionadas à composição dos venenos e suas interações no organismo, a agronomia relacionada às formas de uso e também de não uso, até a nutrição de quem se alimenta com produtos contaminados, as doenças de quem utiliza, as análises do mercado global de produção de agrotóxicos e sementes, os transgênicos que são feitos para aguentar cargas mais altas de agrotóxicos… É uma diversidade enorme de áreas do conhecimento necessárias para compreender o problema, e agir sobre ele.
Ao mesmo tempo, vem ganhando força no mundo o movimento de dados abertos, que buscar dar maior transparência para dados públicos para que a população possa entender e participar com mais qualidade das decisões. Um dado aberto é aquele sobre o qual ficamos sabendo não apenas das informações finais, mas também temos acesso ao dado bruto.
vem ganhando força no mundo o movimento de dados abertos, que buscar dar maior transparência para dados públicos para que a população possa entender e participar com mais qualidade das decisões.
Por exemplo: o Sindiveg divulgou que a indústria de agrotóxicos comercializou U$9,6 bilhões em 2015. Para terem esse dado, tiveram que registrar cada venda de cada substância. Portanto, se fossem dados abertos, saberíamos não só o valor final, mas também o volume vendido por região, cultura etc.
Deste modo, a partir das dificuldades observadas por pesquisadores e militantes que atuam na Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, resolvemos criar um portal para juntar as informações em um mesmo local. Nesse sentido, o portal vira um ponto de encontro para quem quer pesquisar mais e entender a fundo as questões envolvidas neste tema.
Muitos dados poderiam estar no Portal Brasileiro de Dados Abertos, mas não estão, e por isso, nossa publicação é até uma forma de pressionar os órgão públicos a cumprirem o que manda a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e publicar os dados públicos no dados.gov.br, de forma aberta e legível por máquina.
Rede Mobilizadores – Quais os principais dados que podem ser consultados no Portal? Como é feita a atualização desses dados?
R.: Logo na primeira página, é possível visualizar os grupos em que foram divididos os dados. Os grupos buscam definir os temas principais, como dados sobre comercialização, sobre resíduos de agrotóxicos em alimentos, ou sobre transgênicos. Mas há dados também sobre o “não uso de agrotóxicos”, ou seja, sobre como anda a produção orgânica e agroecológica no Brasil. Lá podemos ver, por exemplo, que já há 637 feiras que vendem produtos sem agrotóxicos em todo o Brasil (dados do Idec), ou então que o Brasil investiu em 2014 R$711 milhões na compra de alimentos da agricultura familiar para a merenda (FNDE). Nesse caso, é possível saber quanto cada município gastou com alimentação escolar, e o percentual comprado da agricultura familiar. Isso é dado aberto de verdade!
Por outro lado, certamente por pressão do agronegócio e da banca ruralista, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (PARA) da Anvisa está sem divulgar informações desde 2012. Com o PARA, sabíamos quais alimentos tinham pior desempenho, e sabíamos também quais agrotóxicos irregulares foram usados em cada cultura. Em seu lugar, temos uma análise de resíduos feita pelo MAPA de péssima qualidade, no âmbito do Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes. Para se ter uma ideia, os resultados das análises são publicados no Diário Oficial, como tabelas dentro do arquivo PDF. Quem consegue ler isso? E se eu quiser fazer um gráfico, preciso copiar e colar várias páginas, ajustando a formatação? Isso é o típico exemplo de um dado público, mas não aberto. Eles publicam, OK, mas inviabilizam o uso colocando em formato que o computador não pode ler diretamente, como PDF.
A curadoria dos dados fica hoje a cargo da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, uma organização da sociedade civil, formada por diversos movimentos sociais, que busca alertar a sociedade para os perigos dos agrotóxicos e também mostrar que outra agricultura é possível, através da agroecologia.
Rede Mobilizadores – O glifosato, um dos venenos mais usados no Brasil, é proibido em alguns países. Há informações sobre a utilização desse agrotóxico em nossas lavouras? Quais são os cultivos que mais o utilizam?
R.: Já há alguns anos, o glifosato vem sendo alvo de grandes controvérsias científicas no mundo inteiro. O herbicida patenteado pela Monsanto era considerado um “veneno fraco”, e ficou muito popular. Dizia-se inclusive que era possível beber um copo dele sem problema algum. (Para quem não acredita em tamanha cara de pau, veja esse vídeo curto: https://www.youtube.com/watch?v=XGJYmOySbAI).
No entanto, pesquisas mais recentes vem demonstrando que não é bem assim, associando este produto com alguns tipos de câncer, autismo e doença celíaca, por exemplo. Outro aspecto é que sua molécula é pesada, e, frequentemente, contamina as águas subterrâneas. Na Europa, vários países já restringiram o uso, por exemplo, proibindo-o em jardins, ou a certas épocas do ano, e agora se discute o banimento geral, que pode acontecer daqui a 18 meses. A Agência Internacional para a Pesquisa sobre Câncer IARC, da ONU, considera o Glifosato como provavelmente cancerígeno.
De acordo com os dados do Ibama de 2014 (últimos disponíveis), o glifosato sozinho é responsável por 43% das vendas de ingredientes ativos de agrotóxicos. Descontando-se o óleo vegetal e mineral que o Ibama considera como ingrediente ativo, mas na verdade são adjuvantes, o valor chega a 47%. Em segundo lugar, vem o 2,4-D com apenas 8%. Se juntarmos essa informação com a divulgação de faturamento do Sindiveg em 2014, chegamos à estimativa de que só o Glifosato movimentou cerca U$6 bilhões no Brasil (considerando que todos os venenos têm preço igual, o que não é verdade). Isso é uma quantidade de dinheiro muito significativa, e que nos gera muita preocupação sobre a influência que possa ter sobre o sistema de regulação de agrotóxicos em nosso país.
Pelos motivos mencionados na primeira pergunta, não há dados sobre os cultivos que mais o utilizam. Mas indiretamente podemos ver que a soja é a campeã, já que responde por 55% dos agrotóxicos usados no Brasil. Além disso, há o fator dos transgênicos: 92% da área plantada com soja, milho e algodão utiliza sementes geneticamente modificadas (transgênicos). Se olharmos a lista dos transgênicos aprovados no Brasil, veremos que as nove variedades de soja autorizadas em nosso país são do tipo tolerantes a herbicidas. Apenas uma é, além de tolerante a herbicidas, resistente a insetos.
Muita gente ainda pensa que os organismos geneticamente modificados, ou transgênicos, são feitos para produzir mais, serem resistentes à seca ou outras vantagens. Isso é uma grande mentira. Só temos no Brasil dois tipos de sementes: aquelas que podem receber banhos de agrotóxicos sem morrer (principalmente o glifosato), e aquelas que produzem seu próprio agrotóxico e repelem alguns tipos de insetos (sementes BT).
Os transgênicos são uma tecnologia fracassada, feita apenas para vender mais agrotóxicos e deixar agricultores dependentes das fábricas de sementes.
Hoje, após 10 anos de uso, várias plantas consideradas daninhas ficaram resistentes ao glifosato, e descobriu-se que, ao matar certos insetos, as sementes BT deixam o espaço para outros insetos, que não morrem com a toxina da planta e podem se reproduzir facilmente e acabar com a lavoura. Foi o caso do surto da lagarta helicoverpa armigera, que provocou grandes perdas nas plantações e fez com que o Brasil importasse um veneno que já havia sido banido aqui. Os transgênicos são uma tecnologia fracassada, feita apenas para vender mais agrotóxicos e deixar agricultores dependentes das fábricas de sementes.
Rede Mobilizadores – Na sua avaliação quais os principais desafios que a sociedade enfrenta para diminuir o uso de agrotóxicos e banir a comercialização de todos os produtos que foram proibidos em outros países?
R.: Como disse anteriormente, não é por falta de evidências que não conseguimos banir agrotóxicos no Brasil. Há uma quantidade de dinheiro muito grande envolvida neste mercado, e o Brasil é um importante player mundial, concentrando cerca de 18% do mercado mundial. Então, imagine que se diminuirmos o uso de agrotóxicos, peixes grandes vão perder dinheiro.
O Brasil optou por um modelo agrícola que chamamos do agronegócio. Ele se baseia, em primeiro lugar, no latifúndio e no monocultivo, ou seja, grandes extensões de terra plantando uma só cultura. Isso é um prato cheio para insetos, fungos ou bactérias que por ventura se adaptem bem a essas condições. Daí, quando um inseto que gosta de milho encontra centenas ou milhares de hectares de milho, ele fica feliz da vida e se reproduz em larga escala. Ele é então injustamente chamado de praga (praga é quem desmatou tudo pra plantar apenas uma cultura!), e taca-se agrotóxico nele. Por esse motivo, dizemos que o agronegócio é um modelo químico-dependente, ou seja, só funciona com muito veneno e fertilizante químico. Esses fertilizantes também são um grande problema, pois desequilibram o solo e deixam ele dependente. O solo é a base de tudo, precisa ser saudável e diverso para as plantas crescerem fortes. Quanto mais agrotóxicos e fertilizantes, mais doença e mais agrotóxicos e fertilizantes. É uma espiral química.
Mas agroecologia não é só a técnica de plantar sem agrotóxico: é, em primeiro lugar, reforma agrária, para dar terra a quem quer plantar, é também igualdade de gênero para que as mulheres sejam soberanas dentro de suas casa e nas comunidades, é uma relação mais direta entre produtores e consumidores, para que o intermediário não fique com a maior parte do lucro, enfim, uma série de transformações que buscam uma maior justiça social através da produção de alimentos saudáveis.
Na agroecologia, a lógica é inversa. Planta-se várias culturas juntas, para que o nutriente que uma retira, seja depositado pela outra. Trata-se eventuais desequilíbrios buscando fortalecer e proteger o solo, e cuida-se das sementes para que não se dependa de uma empresa para fornecê-las. Mas agroecologia não é só a técnica de plantar sem agrotóxico: é, em primeiro lugar, reforma agrária, para dar terra a quem quer plantar, é também igualdade de gênero para que as mulheres sejam soberanas dentro de suas casa e nas comunidades, é uma relação mais direta entre produtores e consumidores, para que o intermediário não fique com a maior parte do lucro, enfim, uma série de transformações que buscam uma maior justiça social através da produção de alimentos saudáveis.
Nos governos Dilma e Lula, apesar do agronegócio ter sido muito beneficiado, houve também avanços nas políticas de agricultura familiar e de incentivo à produção orgânica e agroecológica. Foi criada a Política Nacional de Agroecologia Produção Orgânica (PNAPO), que incluía, entre uma de suas medidas, um Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). Pois bem, esse programa foi construído em conjunto pelo governo e sociedade civil, mas quando ficou pronto, foi vetado, principalmente pelo Ministério da Agricultura.
Atualmente, o maior perigo neste campo no Brasil é o Projeto de Lei 6299/2002, apelidado de PL do Veneno. Ele prevê uma completa revogação da Lei de Agrotóxicos, de 1989, para criar uma lei que já começa mudando o nome de agrotóxico para produtos fitossanitários. Esta lei traz uma série de retrocessos que podem aumentar o uso de agrotóxicos perigosos no Brasil. Infelizmente, a sociedade luta hoje para deter os retrocessos, muito mais do que para conquistar avanços.
Entrevista e edição: Eliane Araujo
Revisão: Sílvia Sousa
Esse assunto é de suma importância para nosso Município que vive da agricultura e da cultura do Café! Vou poder discutir com os Técnicos e mostrar o quanto esses agrotóxicos fazem mal para toda a população!