A rotulagem de alimentos no Brasil já obteve alguns avanços como a obrigatoriedade de indicação da presença de transgênicos, gorduras trans e glúten, e, recentemente, a informação sobre a porcentagem de suco e polpa de fruta contida em bebidas não alcoólicas vendidas no mercado. No entanto, ainda há muitas questões que precisam avançar.
Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e integrante do grupo de trabalho criado pela Agência Nacional de Vigilância Santiária (Anvisa) para discutir rotulagem de alimentos, explica nessa entrevista os principais problemas que ainda enfrentamos.
Rede Mobilizadores – Qual a importância da rotulagem para a promoção da alimentação saudável?
R.: O rótulo traz informações que são fundamentais para a população escolher os alimentos. São dados sobre a composição do alimento, os ingredientes, o fabricante, local onde foi produzido. É fundamental, portanto, para transmissão de informação para o consumidor.
Rede Mobilizadores – Quais os principais problemas dos rótulos dos alimentos no Brasil?
R.: Existem vários problemas pontuais. No geral, eu diria que, hoje, as informações que são mais importantes para o consumidor, como os ingredientes e a tabela nutricional, ficam escondidas, e as informações da publicidade, do que a empresa quer mostrar mais, seja para agregar valor ao produto ou para apontá-lo como adequado a uma dieta saudável, acabam ganhando um grande destaque. Fica difícil para o consumidor entender se aquele produto é ou não saudável, é ou não adequado para ele, porque as informações principais, no geral, ficam mascaradas.
Além disso, os rótulos deveriam trazer também outras informações que poderiam ajudar mais na escolha de alimentos saudáveis. Por exemplo, o Idec apoia uma proposta de rotulagem nutricional na parte da frente da embalagem e com a informação traduzida para o consumidor. Hoje, ele tem de fazer uma conta para saber se um produto tem muita ou pouca caloria, muito ou pouco sódio, etc.
Pela proposta, essa informação apareceria na parte da frente das embalagens codificado em cores, que é o semáforo nutricional. Com isso, o consumidor bate os olhos e já sabe: se está verde para o sódio, é porque contem pouco sódio, se está amarelo é porque a quantidade é média, e se está vermelho é porque o produto contém muito sódio.
Há outros aspectos também. A lista de ingredientes poderia ser mais detalhada, informando qual a porcentagem de cada ingrediente utilizado, em vez de apenas listá-los pela ordem descrente de quantidade. Os ingredientes que aparecem no começo da lista são os que estão em maior quantidade, mas a gente não sabe qual a proporção, se a quantidade de açúcar, por exemplo, é muito maior do que a de fruta. Sabemos apenas que tem mais açúcar do que fruta, porque o açúcar aparece em primeiro lugar na lista de ingredientes.
A tabela nutricional também poderia listar e apontar os ingredientes que são saudáveis e os que não são; e colocar informação sobre o açúcar, que hoje não é obrigatória no Brasil.
Rede Mobilizadores – Como surgiu o semáforo nutricional e qual seu objetivo?
R.: Surgiu no Reino Unido como proposta para melhorar a qualidade nutricional e, desde 2013, vem sendo adotado de forma voluntária. A opção era ou não colocar nada sobre informação nutricional na frente da embalagem ou colocar o semáforo nutricional. Como as grandes redes de supermercado adotaram o semáforo, isso fez com que outras empresas acabassem aderindo também.
O movimento de consumidores no Reino Unido é muito forte e também pressionou bastante as empresas. Por isso, mesmo sendo voluntário, a maior parte das empresas utiliza o semáforo.
Outro país que também adotou o semáforo recentemente foi o Equador, mas lá as empresas não precisam colocar o semáforo na parte da frente das embalagens. Elas podem colocar também na lateral.
Existem algumas pesquisas experimentais sobre os resultados da utilização do semáforo que mostram que seu uso contribui para melhorar o entendimento do consumidor sobre as informações nutricionais. No entanto, a proposta do semáforo é controversa porque alguns pesquisadores acham que colocar a cor verde para o sódio num refrigerante, por exemplo, pode levar os consumidores a entender que aquele produto é saudável. Isso é uma limitação.
Mas, há estudos que mostram que o semáforo melhora a compreensão dos consumidores. Em 2013, o Idec testou o uso do semáforo durante uma pesquisa sobre rotulagem nutricional e a grande maioria dos consumidores consultada apontou que o semáforo é mais compreensível do que a tabela nutricional.
Como entre as grandes multinacionais que adotaram o semáforo no Reino Unido existem empresas que também comercializam aqui no Brasil e em outros países latino-americanos, a exemplo da Coca-Cola, recentemente fizemos uma campanha para que os consumidores pressionassem a empresa a adotar o semáforo nutricional na região, mas ainda não tivemos resultado.
Rede Mobilizadores – Como equilibrar a informação nutricional e as mensagens da marca numa mesma embalagem? Esse aspecto deveria ser regulado por meio de legislação? Por quê?
R.: Quem tem de regular a rotulagem dos alimentos é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que tem um corpo técnico para acompanhar as discussões internacionais sobre rotulagem de alimentos no Codex Alimentarius [fórum internacional de normatização do comércio de alimentos].
No Brasil, toda a regulação de rotulagem de alimentos tem de ser harmonizada com países do Mercosul, e a Anvisa tem o papel de fazer essa articulação, envolvendo outros ministérios que atuam na rotulagem como os ministérios da Agricultura e da Justiça, e órgãos como o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
A Anvisa deve ser fortalecida para que faça a regulação da rotulagem de maneira mais eficiente do que ela é feita hoje. Um dado positivo é que trata-se de uma das agências reguladoras que tem a preocupação de aumentar a participação social dentro de sua estrutura. As empresas, que são o setor regulado, estão lá no dia a dia e os consumidores têm de pressionar pelo outro lado.
O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) criou um grupo de trabalho na Comissão sobre Consumo sobre regulação de alimentos e um de seus objetivos é pressionar a Anvisa para que faça regulamentações melhores para a população e não apenas para as empresas.
Rede Mobilizadores – Em que outros aspectos a regulação da rotulagem de alimentos no Brasil deve ser aprimorada?
R.: Um aspecto importante que ainda não mencionei é a regulação de personagens e imagens para o público infantil no rótulo de alimentos. O uso dessas imagens tem de ser proibido, pois já se sabe que a publicidade de alimentos para o público infantil é um dos grandes fatores para o aumento de doenças crônicas (obesidade, hipertensão, diabetes) em crianças.
Rede Mobilizadores – Com relação aos agrotóxicos, que estados têm projetos de lei obrigando a indicação de sua presença no rótulo dos alimentos?
R.: Rio Grande do Sul e Bahia têm projetos de lei, e no Espírito Santo foi aprovada recentemente lei obrigando a indicação expressa sobre o uso de agrotóxicos nos produtos alimentares comercializados no estado.
Essa questão da rotulagem sobre a presença de agrotóxicos depende da rastreabilidade dos alimentos. Teríamos de ter informação prévia sobre toda a cadeia produtiva das empresas que pudesse indicar se uma determinada matéria-prima veio ou não de um plantio que utiliza agrotóxicos.
Os rótulos hoje em dia são mais usados para produtos que são processados ou ultraprocessados e com isso a dificuldade de identificar a presença de agrotóxicos nesses alimentos. Em relação a alimentos in natura fica mais fácil. Poderíamos ter uma rotulagem que indicasse se contém agrotóxico, de que tipo, de onde vem o alimento.
Rede Mobilizadores – Como está a rotulagem de transgênicos no Brasil?
R.: Temos uma legislação nacional desde 2003 que obriga as empresas a informarem no rótulo os alimentos que tenham no mínimo 1% de transgênicos em sua composição. Mas numa pesquisa que fizemos no Idec verificamos que ainda há problemas em relação ao cumprimento dessa lei.
Fizemos uma campanha no início de 2014 em relação às cervejas que usam milho em sua composição. Como a produção de milho transgênico é grande, as cervejeiras também não teriam de informar sobre a presença de transgênicos?
Além de a lei não ser cumprida, ainda temos ameaças constantes de derrubar a legislação. O Idec tem uma campanha permanente – uma vez que não sabemos quando esses projetos podem ser votados – para mobilizar os deputados e evitar que derrubem a lei.
Rede Mobilizadores – Há intenção de tornar obrigatória a indicação nos rótulos da quantidade de açúcar presente nos alimentos?
R.: O Brasil já apresentou uma proposta no Mercosul de inclusão do açúcar na tabela nutricional. Porém, o processo de discussão é bem complicado porque os países têm de chegar a um consenso. Atualmente, está em pauta o tema da rotulagem geral de alimentos e só depois de concluída essa discussão é que o Mercosul vai começar a discutir a rotulagem nutricional e aí considerar essa proposta do Brasil de incluir o açúcar. Ou seja, a gente acha que isso vai demorar.
Temos feito uma pressão para que as empresas comecem, voluntariamente, a indicar a presença de açúcar nos rótulos, até porque isso já acontece em outros países e os fabricantes sabem muito bem a quantidade de açúcar que colocam nos alimentos. Mas há uma resistência muito grande por parte das empresas.
Rede Mobilizadores – Quais os principais objetivos do grupo de trabalho criado pela Anvisa para discutir as regras de rotulagem nutricional? O que motivou a criação desse GT?
R.: Uma das motivações para criação desse grupo de trabalho (GT) foi uma pressão do Consea, que apresentou uma recomendação à Anvisa para que criasse um grupo de trabalho para discutir rotulagem nutricional.
A primeira reunião do GT foi realizada em dezembro de 2014 e o objetivo foi levantar os principais problemas, desde a tabela nutricional, o entendimento do consumidor, o rótulo na parte da frente da embalagem, as porções, a indicação da presença de açúcar, etc.
A intenção é organizar esses problemas em blocos específicos e, ao longo de 2015, discutir propostas para cada um deles. A Anvisa pensa em formular propostas não apenas de regulamentação, mas também desenvolver materiais para as escolas, e pensar em outros mecanismos de fazer regulação que ultrapassem a obrigação de a empresa por ou não no rótulo uma determinada informação.
Entrevista concedida à: Eliane Araujo
Editada por: Sílvia Sousa
Existe algum órgão que seja responsável pela verificação da veracidade das informações contidas nos rótulos, ou a responsabilidade da informação é apenas do fabricante?
Ola amigos… Estou muito feliz em poder participar com vcs nesta oficina.Sou leiga no assunto mas a 2 anos venho mudando aos poucos minha alimentaçao e em busca de aprimoramento achei o face do campo a mesa e cheguei a esse excelente site de oficinas muito uteis. Na realidade estou em choque com os videos que assisti no canal pois vi que o assunto e questao de saude publica. Quero aprender muito e conto com vcs para conseguirmos atingir nossos objetivos!! Abraço a todos!!!!
Achei esse texto esclarecedor, antes eu tinha a visão mercadológica sobre o assunto, desde 2013 venho atuando como docente no curso de guia de turismo na disciplina de serviço de alimentação voltada o curso técnico em guia de turismo, além dos aspectos da gastronomia para o turismo, tenho trabalhado a importância do consumo de produtos orgânicos e mais recentemente fizemos uma oficina com os alunos como identificar que o produto adquirido é transgênico, além de trabalhar os aspectos da vigilância sanitária, com essa oficina abriu meu leque de discussão pra uma abordagem mais ampla nas próximas turmas.
Boa noite!
Acho muito importante o debate sobre a rotulagem nutricional, pois na maioria das vezes é a única fonte de informação para a população (além da mídia). E é quase inacreditável que o Brasil queira dar um passo para trás ao retirar do rótulo o símbolo de transgenia, enquanto que outros países buscam o avanço.
Gostaria de saber o seguinte: existe algum órgão que fiscalize o rótulo depois que o produto foi embalado? Uma vez vi no supermercado um sorvete cujo rótulo estava escrito “1% de gorduras totais”. Achei estranho e fui no site da marca e lá estava “10% de gorduras totais”.
Obrigada e parabéns pela oficina!
Boa noite, achei muito interessante a entrevista e gostaria de saber se no Reino Unido, que usa o semáforo nutricional, a indicação é somente da quantidade de sódio ou tem também sobre os açúcares e gordura??
Boa tarde! meu nome é Cláudia e sou graduanda em nutrição na UNITRI em Uberlândia. Gostaria de saber sua opnião sobre as porções indicadas nas tabelas nutricionais que não consideram a per capta habitual do brasileiro. Por exemplo, existem pacotes de pão de forma em que a porção é de duas fatias e meia, porém o normal seriam apenas duas causando dúvidas e transtorno para o consumidor que terá que utilizar uma calculadora para saber as informações das duas fatias. Outro ponto que acho importante é que esta quantidade indicada na tabela poderia ser usada como uma ferramenta de educação propondo a porção recomendada a um adulto. Obrigada!
Acho que não deixei explicito o que gostaria de saber. Há algum projeto para incentivar e explicar como utilizar as informações nutricionais nas grandes mídias (revistas,jornais,televisao e internet?), pois as atuais cartilhas não parecem atingir a grande população, somente um pequena parte dela.
Me chamo Mayara e sou doutoranda do Programa de Pós Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFRRJ. Durante meu mestrado trabalhei com semáforo nutricional, agora no doutorado darei continuidade nesta mesma área.
Durante o processo realizei uma pesquisa que apontou uma maior compreensão e atratividade do consumidor por rótulos com iformação do tipo semáforo, comparado com a tabela nutricional. No entanto, quando os participantes avaliaram o quão saudável eram os alimentos, o tipo de produto foi o fator mais importante na avaliação, indicando que os consumidores já tem uma opinião formada sobre os alimentos,sendo a informação nutricional bem menos relevante nesta classificação.
Acredito que a divulgação de informações sobre a forma de utilizar e compreender as informações nutricionais seria um grande aliado. Gostaria de saber se há algum projeto ou iniciativa deste tipo,e as perspectivas de alguma resolução que indique a utilização do semáforo ainda que voluntariamente.