A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) declarou 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF). O objetivo é aumentar a visibilidade dessa atividade produtiva e dos pequenos agricultores, chamando a atenção mundial para seu importante papel na erradicação da fome e da pobreza, na provisão de segurança alimentar e nutricional, na melhoria dos meios de subsistência, gestão dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e para o desenvolvimento sustentável, particularmente das áreas rurais.
Tanto nos países desenvolvidos, como nos países em desenvolvimento, a agricultura familiar (em que as explorações dependem principalmente dos membros da família para a mão-de-obra e a gestão) continua a ser a forma dominante de agricultura, essencial não só para a mitigação da fome e da pobreza rural mas também por uma fatia considerável das exportações.
Especialistas estimam que, no mundo, cerca de 500 milhões de famílias entre camponeses, pescadores, populações indígenas, etc. – a maior parte delas vivendo abaixo da linha de pobreza – dedicam-se a essa forma de produção agrícola. No Brasil, são 4.367,902 agricultores familiares reconhecidos, os quais fornecem 70% dos alimentos que constituem a dieta básica da população: feijão, mandioca, milho e leite. Os outros 30% são produzido pelo agronegócio que exporta a maior parte da produção de soja e agrocombustíveis para o mercado chinês, entre outros. “Assim, como em muitos países da América Latina, cheios de profundas contradições, no Brasil convivem dois modelos de agricultura e junto com eles, a riqueza mais excessiva junto à pobreza mais irrisória”, ressalta a pesquisadora Analí Pérez Ramirez.
O objetivo do AIAF 2014 é reposicionar a agricultura familiar no centro das políticas agrícolas, ambientais e sociais nas agendas nacionais, identificando lacunas e oportunidades para promover uma mudança rumo a um desenvolvimento mais equitativo e equilibrado. O AIAF 2014 vai promover uma ampla discussão e cooperação no âmbito nacional, regional e global para aumentar a conscientização e entendimento dos desafios que os pequenos agricultores enfrentam e ajudar a identificar maneiras eficientes de apoiar os agricultores familiares.
O que é agricultura familiar?
A agricultura familiar inclui todas as atividades agrícolas de base familiar e está ligada a diversas áreas do desenvolvimento rural. A agricultura familiar consiste em um meio de organização das produções agrícola, florestal, pesqueira, pastoril e aquícola que são gerenciadas e operadas por uma família e predominantemente dependente de mão-de-obra familiar, tanto de mulheres quanto de homens.
Tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento, a agricultura familiar é a forma predominante de produção de alimentos e atividade tem um importante papel socioeconômico, ambiental e cultural.
Por que a agricultura familiar é importante?
• A agricultura familiar e de pequena escala estão intimamente vinculados à segurança alimentar mundial;
• Ela preserva os alimentos tradicionais, além de contribuir para uma alimentação balanceada, para a proteção da agrobiodiversidade e para o uso sustentável dos recursos naturais;
• Representa uma oportunidade para impulsionar as economias locais, especialmente quando combinada com políticas específicas destinadas a promover a proteção social e o bem-estar das comunidades.
Conquistas brasileiras
A pesquisadora Analí Pérez Ramirez afirma que o Brasil ainda luta contra a fome e a miséria, mas lembra que, apesar dos desafios, obteve conquistas importantes. “No tema da segurança alimentar podem se notar mudanças estruturais importantes a partir do começo do século XXI, logo após uma década de políticas neoliberais. Essas mudanças foram produto de uma série de fatores econômicos, políticos e sociais que aconteceram no país, mas que foram catapultadas por uma marcada pressão social da sociedade civil organizada (materializada na criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea) e institucionalizadas com a vontade política do governo, especialmente no período do presidente Lula”, avalia.
Ela lembra que, no campo da segurança alimentar e nutricional, o país conseguiu estabelecer um sistema complexo, intersetorial e integrado para dar resposta às demandas sociais e conquistar o direito à alimentação, reconhecido explicitamente na Constituição Federal desde o ano de 2010. “O Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) funciona como uma engrenagem e é integrado por uma série de políticas públicas focalizadas e estruturais gerenciadas por diversos ministérios nos três níveis de governo e fiscalizadas pela sociedade civil através do Consea”, explica.
Programa de Aquisição de Alimentos – PAA
Analí Ramirez afirma que o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) tem uma trajetória importante dentro da luta por colocar os agricultores familiares no centro das políticas públicas para atingir a segurança alimentar e nutricional do povo brasileiro. “O PAA foi criado no ano 2003 pelo governo da República e tem um duplo objetivo: por um lado, garantir aos camponeses um mercado seguro para comercializar os seus produtos através da compra direta do governo (pelas prefeituras), e por outro oferecer uma alimentação saudável à população em insegurança alimentar (população de creches, asilos, restaurantes populares, cozinhas comunitárias, bancos de alimentos, comunidades indígenas e quilombolas, etc.). Um terceiro objetivo que é muito menos reconhecido, mas que é muito importante, é que o PAA revaloriza a produção local dos camponeses respeitando os hábitos culturais das populações, tentando com isso garantir a soberania alimentar ao mesmo tempo em que fomenta o cooperativismo e a organização entre os agricultores”, explica.
A pesquisadora afirma que, mesmo que ainda tenha resultados modestos quanto ao número de agricultores familiares envolvidos no programa devido, entre outras coisas, aos obstáculos burocráticos no processo de adesão (pois os agricultores devem ter uma declaração de aptidão ao programa de crédito Pronaf, DAP), “o PAA é uma das iniciativas mais inovadoras do governo brasileiro que conta com mecanismos muito benéficos para o pequeno agricultor como o seguro contras as perdas dos cultivos ou a garantia da compra da produção a preços preferenciais. Esse tipo de iniciativas oferece uma segurança para eles ante a incerteza das mudanças climáticas estacionais e a volatilidade dos preços dos alimentos”.
Analí Ramirez adverte, no entanto, que é preciso entender que “a agricultura familiar não é um passo em direção à agricultura de grande escala, nem um estágio antes de virar agronegócio, é uma atividade produtiva que tem que ser reconhecida pelo valor simbólico e material que tem” e que um dos maiores obstáculos para isso são os interesses do agronegócio. “Precisa-se de muita vontade política e pressão social”, afirma.
Com informações FAO / Canal Ibase