Vinte de junho é o Dia Mundial do Refugiado. Segundo as Nações Unidas, o número de pessoas que foram forçadas a abandonar as suas casas devido à guerra, violência ou perseguição atingiu um valor recorde em 2016, segundo a nova edição do relatório “Tendências Globais”, divulgado dia 19 de junho pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Ao final do ano passado, cerca de 65,6 milhões de pessoas eram consideradas vítimas de deslocamento forçado. Desse contingente, 22,5 milhões eram refugiados — um recorde histórico.
“Sob qualquer ângulo, esse é um número inaceitável e evidencia mais do que nunca a necessidade de solidariedade e de um objetivo comum em prevenir e resolver as crises e garantir de forma conjunta que os refugiados, deslocados internos e solicitantes de refúgio de todo o mundo recebam proteção e assistência adequadas enquanto as soluções estejam sendo estabelecidas”, afirmou o alto-comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi. “Precisamos fazer mais por essas pessoas. Em um mundo que está em conflito, é necessário determinação e coragem e não medo.”
Karl Kopp, da organização alemã de defesa dos direitos humanos Pro Asyl classifica a situação como o “capítulo mais triste” da “erosão europeia”. Uma erosão que já vem de trás, antes dos enormes movimentos de refugiados em direção à Europa que mergulharam o continente numa crise que já dura há dois anos – e que não deverá terminar tão cedo.
Refugiados X deslocados internos X solicitantes de refúgio
O relatório aponta que o conflito na Síria continua fazendo com que o país seja o local de origem da maior parte dos refugiados — 5,5 milhões. Entretanto, em 2016, um novo elemento de destaque foi o Sudão do Sul, onde a desastrosa ruptura dos esforços de paz contribuiu para o êxodo de 739,9 mil pessoas entre julho e dezembro. No total, já são 1,4 milhão de refugiados originários do país africano.
Os deslocamentos de pessoas dentro de seus próprios países também é muito expressivo na Síria, no Iraque e na Colômbia. Entretanto, o deslocamento interno é um problema global e representa quase dois terços do deslocamento forçado em todo o mundo.
Destacam-se ainda os solicitantes de refúgio, pessoas que foram forçadas a deixar seus países em busca de proteção como refugiados. Globalmente, ao final de 2016, o número total de solicitantes de refúgio era de 2,8 milhões.
Um deslocamento interno a cada 3 segundos
Segundo o relatório “Tendências Globais” do total de deslocamentos forçados contabilizado ao final de 2016, 10,3 milhões eram pessoas que foram obrigadas a se deslocar pela primeira vez. Cerca de dois terços desse contingente — 6,9 milhões — se deslocaram dentro de seus próprios países. Isso equivale a uma pessoa se tornando deslocada interna a cada três segundos – menos tempo do que se leva para ler essa frase.
Ao mesmo tempo, o retorno de refugiados e deslocados internos para as suas casas, em conjunto com outras soluções — como o reassentamento em outros países —, trouxe melhores condições de vida para muitas pessoas em 2016. No total, cerca de 37 países aceitaram 189,3 mil refugiados para o reassentamento.
Cerca de meio milhão de refugiados tiveram a oportunidade de voltar para os seus países e aproximadamente 6,5 milhões de deslocados internos regressaram para as suas regiões de origem – embora muitos deles tenham voltado em circunstancias piores do que o ideal e ainda com um futuro incerto.
Número de refugiados no Brasil aumentou
O relatório do Acnur aponta que o número de refugiados no Brasil saltou de 8.863 em 2016 para 9.689 em 2017. O aumento é de 9,31%. Fora os refugiados reconhecidos, o país abriga hoje 35.464 solicitantes de asilo.
O Padre Paolo Parisi coordena a Casa do Migrante, um espaço dentro da Paróquia Nossa Senhora da Paz, no bairro da Liberdade, no Centro da capital paulista, e acolhe cerca de 100 estrangeiros. A maioria dos refugiados atendidos veio de Angola, na África.
“Parece que o lado humano na humanidade se foi. Guerras, conflitos, perseguições, violações dos direitos humanos continuam acontecendo”, lamenta o padre.
Falta solidariedade na Europa
Um dos grandes problemas, segundo os observadores, é a falta de solidariedade europeia. Desde os anos 90 a Europa tenta, sem sucesso, criar um direito único de asilo. Karl Kopp, da Pro Asyl, sublinha a falta de vontade política de alguns membros da União Europeia e a ausência de poder de fiscalização da organização: “é com isto que temos de lidar agora. O primeiro-ministro húngaro, por exemplo, diz ‘não quero saber da lei europeia, castiguem-me no dia de São Nunca’ e outros seguem o exemplo.”
Em todo o mundo, a maior parte dos refugiados — 84% — encontra-se em países de renda média ou baixa, sendo que um a cada três — somando um total de 4,9 milhões de pessoas — foi acolhido nos países menos desenvolvidos do mundo. Este enorme desequilíbrio reflete diversos aspectos, inclusive a falta de consenso internacional quando se trata do acolhimento de refugiados e a proximidade de muitos países pobres das regiões em conflito.
Os dados também evidenciam a necessidade de países e comunidades que apoiam refugiados e outras pessoas deslocadas serem assistidos de forma mais consistente – evitando instabilidades que prejudicam o trabalho humanitário necessário para salvar vidas ou que levam a novos deslocamentos.
O que deve ser feito?
Quase todos os especialistas apontam para um conjunto de medidas, desde o combate ao tráfico até à maior partilha dos problemas entre os países europeus. Mas isto também significa pensar em novos caminhos legais.
A Europa tem de criar mais alternativas para a migração além do sobrecarregado sistema de asilo. É o que defende o economista Guntram Wolff: “Sou a favor das rotas migratórias legais, que contribuiriam para combater o negócio dos traficantes de pessoas”. No entanto, acrescenta Wolff, “é preciso pensar em termos concretos: estes canais deverão estar abertos para pessoas altamente qualificadas? Deveria haver quotas humanitárias? Um sistema de sorteio?”
“Estou aberto a uma mistura de diferentes métodos para combater as rotas da migração ilegal no Mediterrâneo”, conclui o economista.
Fontes: ONU Brasil, DW, R7, O Globo