Metade dos estudantes que ingressam no ensino médio brasileiro não concluem os estudos. A cada ano, a média de jovens que abandonam uma das etapas da última fase da educação básica chega aos 20%, segundo dados do Ministério da Educação (MEC). Aliada às altas taxas de evasão, o déficit de 300 mil professores nas salas de aula amplia os números do descaso. Para especialistas, o quadro se agrava pelo reducionismo do modelo de ensino, onde alunos viram clientes durante a disputa por uma vaga na universidade.
Na tentativa de reverter a situação, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, no final de junho, o novo currículo e projeto pedagógico para o ensino médio brasileiro. O documento, que há 12 anos vem sendo debatido pelo governo federal, aposta em orientações básicas para frear o declínio do ensino de jovens. São elas: aumento de horas aulas, autonomia para escolher disciplinas, incremento nas atividades de leitura e de laboratório, reforço nas atividades culturais e professores em regime de tempo integral. A proposta busca tornar o sistema mais participativo e passa a valer em 100 escolas públicas a partir de 2010. O investimento inicial é de R$ 100 milhões.
Hoje existem 24 mil escolas de ensino médio no Brasil, das quais 17 mil são públicas. Nas carteiras dessas instituições encontram-se aproximadamente 10 milhões de estudantes, o equivalente à população do Rio Grande do Sul. Caso a proposta do MEC saia da teoria para a prática, a vida desses alunos vai mudar significativamente. Segundo especialistas, para melhor.
O coordenador do ensino médio da Secretaria de Educação Básica do MEC, Carlos Artexes, explica que as principais mudanças giram em torno de uma maior autonomia das escolas para a formulação do projeto pedagógico. ?Queremos valorizar a singularidade de cada escola e, por meio disso, estimular o protagonismo dos alunos?, comentou. Carlos se refere à proposta de que cada estudante escolha 20% das disciplinas oferecidas. ?Incentivaremos a cultura e a literatura. O ensino deve ser mais atraente?, completou.
Outra ação para conter os índices de evasão escolar diz respeito à substituição do atual currículo ? fechado em disciplinas fragmentadas ? na organização do conhecimento em quatro grandes eixos: trabalho, ciência, tecnologia e cultura. ?Queremos estimular a interdisciplinaridade, aproximar o conteúdo visto em sala do cotidiano?, afirmou Artexes. O especialista ressalta que a mudança não representa o fim das disciplinas. ?As aulas vão continuar, mas haverá mais articulação entre elas?, ressaltou.
Para o especialista em Educação Básica e professor da Universidade de Brasília, Remi Castioni, a proposta valoriza a formação cidadã e humana dos alunos. ?O atual sistema, em vigor há mais de uma década, é inadequado. Hoje, o objetivo do ensino médio é que o aluno passe no vestibular para gerar propaganda para escola?, observou. Ele explica que a flexibilização do currículo é uma tendência mundial. ?No Brasil somos reféns de um único modelo. Na França, por exemplo, são 18?, comentou.
Na prática
O secretário do MEC, Carlos Artexes, explica que o novo currículo será implantado aos poucos. A responsabilidade por levar a proposta às escolas será das secretarias de educação estaduais. ?Faremos contato com as unidades para divulgar a proposta. Conforme a aceitação, poderemos rever o orçamento para incentivar a mudança?, comentou. Ele explica que algumas escolas já seguem as orientações, previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996.
Segundo a Secretaria de Educação do Distrito Federal, boa parte das escolas que estão próximas do novo modelo ficam na capital do país. ?Desde 2000 ampliamos a carga horária para 3 mil horas/aula e implantamos a sociologia e a filosofia no currículo. Investimos na formação cidadã, mas sem perder a capacitação profissional?, observou a gerente de ensino médio, Julia Gama. O Centro de Ensino Setor Oeste, primeiro lugar entre as escolas públicas do DF no último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), é uma delas.
Aluno do 2º ano, Pablo Oliveira aprova a mudança. ?Creio que é um bom caminho. Começamos a ter mais aulas práticas e já percebemos a interdisciplinaridade, mas ainda falta muito?, observou ele. Para o diretor do Setor Oeste, Julio Gregório, a proposta só vai funcionar se as escolas tiverem autonomia. ?Não se deve forçar a mesma grade para todos. Cada escola conhece a realidade que tem e como aproveitá-la melhor?, concluiu.