Somos 47.223 em 27 estados
e 1.874 municípios
  • Login
  • Seja um mobilizador
  • Contato
    • A A A
Busca avançada

Notícias

Erradicação da Miséria

Extinção do Consea: comida de verdade e cidadania golpeadas


14 de janeiro de 2019

Em seu primeiro dia de governo, o presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória 870, que altera as atribuições e a estrutura dos ministérios e dos órgãos ligados à Presidência da República. A MP entrou em vigor imediatamente após sua publicação no Diário Oficial da União, mas será submetida à votação no Congresso Nacional. Por meio dela, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan, Lei 11.346/2006) sofreu alterações profundas com a revogação de itens que tem como consequência prática a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Originalmente, na Lei, o Consea estava previsto como órgão de assessoramento à Presidência da República, com a competência institucional de apresentar proposições e exercer o controle social na formulação, execução e monitoramento das políticas de segurança alimentar e nutricional.

O Consea, assim como outros Conselhos de políticas públicas, foi fruto da redemocratização do país, tendo exercido papel determinante na promoção do direito humano à alimentação adequada. O órgão atuou durante o governo Itamar Franco em sintonia com o Movimento pela Ética na Política, que originou a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, com organizações da sociedade mobilizadas para combater a fome no país, liderada pelo sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho. Suas atividades foram interrompidas pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso e o Conselho só voltou a existir a partir de 2003.

Com a aprovação da Losan em 2006 ‒ por unanimidade de todos os partidos integrantes do Congresso Nacional ‒, o Conselho foi instituído como instância do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). O sistema tem como objetivo fundamental assegurar o direito humano à alimentação adequada a todas as pessoas que vivem em território brasileiro, nos termos do artigo 6 da Constituição Federal. Um aspecto importantíssimo sobre a Losan é que sua proposta não foi resultado da ideia de uma ou algumas pessoas e sim resultado de um processo histórico de formulação coletiva. Consagra-se, assim, a compreensão da importância de um sistema de políticas públicas que se responsabilizasse por articular os diferentes setores e políticas para a garantia da segurança alimentar e nutricional.

O Consea constituiu-se como um espaço democrático e de concertação entre governo e sociedade, no qual 2/3 dos seus membros são representantes da sociedade civil que exercem sua função de maneira voluntária, não remunerada e colocam a serviço do aprimoramento das políticas públicas suas experiências, conhecimentos e propostas. É o espaço de voz dos titulares de direito e dos movimentos e organizações dos mais variados setores sociais, para o aprimoramento das políticas públicas para a garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional no Brasil.

Na sua história o Consea, além de exercer sua função junto ao executivo na esfera federal, também estabeleceu um espaço público de manifestação e diálogo com os poderes Legislativo e o Judiciário e também com as unidades da Federação, por meio dos Conseas estaduais e municipais. O Conselho dispunha de permanente interlocução com o Congresso Nacional, em especial com a Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional, sobre questões que dizem respeito ao direito humano à alimentação adequada e soberania alimentar como direito à terra e território, direito ao livre uso da biodiversidade pelos povos e comunidades tradicionais e agricultura familiar, redução do uso de agrotóxicos e contra a flexibilização da legislação destes produtos prevista no chamado Pacote do Veneno (PL 6299/02), a defesa da rotulagem dos transgênicos e outros temas sobre saúde e nutrição da população. O Consea buscou também diálogo com o Supremo Tribunal Federal, sobretudo para questões relativas aos direitos territoriais dos povos indígenas e comunidades quilombolas.

O fortalecimento das políticas de combate à fome e à miséria; a inclusão do direito à alimentação na Constituição Federal e a aprovação da Lei Orgânica, a Política e o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; o Plano Safra da Agricultura Familiar; os Programas de Convivência com o Semiárido como Um Milhão de Cisternas e Uma Terra e Duas Águas; a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica; o Guia Alimentar da População Brasileira são algumas das propostas inovadoras construídas ou apoiadas em debates no Consea que se tornaram políticas públicas para a garantia de uma alimentação saudável para toda a população.

Destacamos também o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) que realiza compras institucionais de alimentos da agricultura familiar e comunidades tradicionais para escolas, creches, asilos e outros órgãos públicos; a ampliação do atendimento e o aperfeiçoamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que alcançou o ensino médio, garantiu a compra de no mínimo 30% dos alimentos da agricultura familiar e comunidades tradicionais e ampliou educação alimentar e nutricional nas escolas.

As políticas públicas originadas no Consea contribuíram para, em 2014, retirar o país da vergonhosa condição de constar do Mapa da Fome elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Destaque-se que em alguns destes programas o Consea participa formalmente dos processos e sua extinção cria uma insegurança jurídica para a manutenção destas ações.

O formato de participação social adotado pelo Brasil na área de segurança alimentar e nutricional tornou-se exemplo para inúmeros países. Ao longo dos anos delegações e organismos internacionais vieram conhecer sua organização e atuação e projetos de cooperação foram implantados visando compartilhar essa experiência. O trabalho do Conselho é objeto de estudos e referências por organismos internacionais da ONU e diversos países.

O Consea corresponde à instância maior de um dos dois pilares do Sisan, a saber, o da participação social, sendo o segundo pilar encabeçado pela Câmara Interministerial de SAN (Caisan) e suas congêneres nas esferas estadual e municipal. Assim, sua extinção fere profundamente o Sisan, pois anula a contribuição deste espaço para reduzir a assimetria de poder nos processos de definição das políticas públicas. Reduz também a possibilidade de o governo federal ter acesso direto ao conjunto de necessidades, prioridades e propostas dos mais amplos setores da sociedade brasileira, principalmente aqueles em situação de maior vulnerabilidade. Com isso, aqueles que sempre definiram, segundo seus interesses particulares, continuarão imperando e interrompe-se a trajetória virtuosa da construção participativa do Sisan, gerando graves prejuízos ao processo de planejamento e implementação do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

A desestruturação do Sisan reforça um modelo de sistema alimentar focado na monocultura, agricultura intensiva, uso de agrotóxicos e sementes transgênicas, concentração dos processos produtivos e de comercialização e oferta massiva de produtos ultraprocessados. Esse modelo gera concentração de renda e terra, contaminação e devastação ambiental e injustiças socioambientais, promove o aumento das desigualdades e conflitos no campo e também aumenta o risco de doenças causadas pelo consumo de alimentos não saudáveis.

A democratização da Administração Pública ‒ e o reconhecimento do princípio da participação social como um dos pilares do Estado Democrático de Direito ‒ representou a transição do padrão de relação verticalizada e passiva entre cidadão e Poder Público, permitindo a criação de canais institucionalizados de diálogo com a sociedade civil.

Nesse sentido, acabar com o Consea representa um grave retrocesso, a negação de um espaço público plural no debate e controle social das políticas de segurança alimentar e nutricional. Mas, para além disso, a extinção do Conselho é um sinal de alerta aos espaços de participação social. A luta em defesa do Consea interessa a todos que se alinham com os princípios de uma sociedade democrática no sentido de que sejam preservados os mecanismos onde se dá, sem constrangimentos, a participação legítima e autônoma da sociedade civil. Essa participação faz valer a Constituição Federal, que prevê, entre os direitos fundamentais e instâncias do Estado brasileiro, a atuação e o controle social para o exercício pleno da cidadania.

É na mediação de interesses e de convivência com o contraditório que se realiza a verdadeira Política, que não se limita à disputa eleitoral e nem se encerra após apurados os votos de uma eleição.

A sociedade civil está ativa, atuante e mobilizada. Já são muitas as manifestações de apoio no Brasil e no exterior. Na condição de ex-presidentes do Consea, conclamamos a todos aqueles que reconhecem a importância de vivermos em um país sem fome e sem todas as formas de má nutrição, onde o direito humano à alimentação adequada seja uma realidade, que participem do movimento em defesa do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

*Elisabetta Recine foi presidenta do Consea nos anos de 2017 e 2018,
Maria Emília L. Pacheco foi presidenta do Consea entre os anos de 2012 e 2016,
Renato S. Maluf foi presidente do Consea entre os anos de 2007 e 2011 e
Francisco Menezes foi presidente do Consea entre os anos de 2004 e 2007.

Fonte: Le Monde Diplomatique

 

Leia mais:

Consea lança nota sobre a extinção da entidade

IBFAN contra a extinção do CONSEA

FBSSAN contra a extinção do Consea

Por que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional é necessário?

Estão desmontando o Sistema de Segurança Alimentar, diz ex-presidente do Consea

Compartilhar:
Imprimir: Imprimir

Conteúdo relacionado

  • Jornada Cidadania e Inovação é lançada em setembro
  • LABetinho oferece minicursos gratuitos
  • Rede COEP lança o PodCast Cidadania em Pauta
  • Manifesto da UFSC contra extinção do CONSEA
  • Manifesto pela não extinção do Consea
  • Nota da ASA Contra a Fome e em Defesa do Consea

Deixe uma resposta Cancelar resposta

Você precisa fazer o login para publicar um comentário.

Comentários



Apoiadores


Realizador


personalized name necklacecustom name necklacecustom necklacepersonalized necklacesnecklace with namename plate necklacecustomized name necklacemothers day necklacemothers day jewelry1st mothers day giftsmothers day ringsmother's day jewelryfirst mothers day giftkpopbts merchbt21 storekpop merchkorean fashionkpop fashionkorean sweatshirt