Por Gleyse Peiter*
A Constituição de 1988 permitiu a consolidação do regime democrático no Brasil estabelecendo um conjunto de diretos sociais, resultado de um processo de mobilização social e política iniciado em meados dos anos 1970. Neste sentido, a democracia é uma decisão, tomada por toda uma sociedade, de construir e viver uma ordem social onde os direitos humanos e a vida digna sejam possíveis para todos¹. A legitimidade deste processo de construção implica na garantia da participação social, fruto da mobilização em prol de um objetivo comum para todos.
O fortalecimento da sociedade civil desde esta época deve-se a alguns fenômenos, dentre eles, as diversas formas de participação, a exemplo de abaixo-assinados como modos de demandas ao Estado; a própria reavaliação da ideia de direitos e do discurso da cidadania, bem como a democratização do acesso aos direitos; o aumento exponencial das associações civis, gerando uma autonomia organizacional em relação ao Estado.
Nos últimos 20 anos, o processo de participação tem se atualizado e vem se intensificando com a utilização de novas ferramentas de participação, como as redes sociais. Recentes casos de mobilização social – convocação livre de vontades em torno de uma causa – via internet têm se mostrado bastante eficazes na articulação de esforços para participação na reivindicação de direitos e liberdades civis.
A mobilização social tem como meta a participação e é condição intrínseca para a efetivação de um valor democrático
Atualmente, estão disponíveis inúmeras ferramentas do mundo virtual dedicados à troca e compartilhamento de experiências, exposição de conhecimentos, mobilização sobre temas específicos, capacitação à distância, realização de pesquisas, entrevistas e outros.
Dentre esses instrumentos, está a Rede Mobilizadores, um espaço virtual de incentivo ao debate e qualificação para a prática cidadã. Criada pelo COEP – uma rede de Comunidades, Organizações e Pessoas, a Rede tem atualmente mais de 35 mil participantes cadastrados, do Brasil e do exterior. São indivíduos interessados na transformação da realidade social brasileira e que podem, por meio deste canal, se capacitar, trocar experiências, divulgar estudos e ações bem sucedidas, articular parcerias e se planejar para atuação em iniciativas sociais.
Os participantes têm oportunidade não só de promover diversos tipos de ações de cidadania em rede, como de trocarem impressões e opiniões sobre os mais diversos temas, além de melhorar sua prática social, por meio da auto-instrução, propiciada pelo acesso a um conteúdo qualificado e organizado por temas, e pela participação em fóruns, cursos e oficinas online. A rede propicia a troca de conhecimentos e saberes diversos e o aprimoramento de práticas na área social, ao aproximar diferentes públicos.
Embora o uso da Internet possibilite o encontro na “nuvem” e a troca virtual entre os participantes das mais diversas iniciativas, esta é uma vivência complementar aos encontros presenciais. Considerando a participação social como um valor ético, essencial à construção da democracia, é preciso criar espaços de participação para todas as pessoas, sem ignorar o mundo virtual, mas tentando opções que articulem o consenso entre os diferentes interesses da sociedade.
Como um exemplo, temos acompanhado as manifestações que acontecem há um ano. Convocadas pelas redes sociais, por motivos diferentes, todas acontecem com os encontros presenciais com um caráter de reivindicação, seja por melhores salários, específicas de determinada categoria de trabalhadores, seja de forma geral, por melhores condições de vida. O que importa é que a participação social é um direito, assegurado na Constituição Federal como uma forma de democracia direta.
Outra forma de exercer esse direito diz respeito à contribuição para a construção de políticas públicas e o exercício de seu controle social. Para isso, existem diferentes instâncias de participação, como os mais de 60 conselhos nacionais de políticas públicas, que realizaram em torno de 110 conferências nacionais nos últimos dez anos.
Com o objetivo institucionalizar esta política de participação, que já existe e é considerada exitosa pelos atores da sociedade civil, está em debate no Congresso Nacional o Decreto 8.243/2014, que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) – criada pelo Governo Federal com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil.
O decreto aprofunda a democracia, uma vez que aproxima a sociedade civil do Estado. Porém, grupos contrários alegam que a medida invade a competência e autonomia do poder legislativo.
Neste sentido, a Rede Mobilizadores, mobilizando para a participação social, estimula também este debate, convidando todos e todas para discutirem esta iniciativa, que é apenas mais um passo na conquista democrática. Precisamos pensar e implantar instrumentos efetivos para garantir que as decisões governamentais levem em conta as contribuições da sociedade.
* Gleyse Peiter é secretária-executiva do COEP Nacional e coordenadora geral da Rede Mobilizadores. ¹Bernardo Toro, Nísia Werneck- “Mobilização Social: um modo de construir a democracia e a participação”, Unicef – 1996
Diante da falência das instituições, maculadas por sucessivos escândalos políticos, econômicos, sociais, creio que a forma mais democrática de condução das Políticas Públicas seja a criação da Política Nacional de Participação Social.
Dois aspectos quero destacar: em primeiro lugar, a participação popular através dos partidos políticos, apesar da fantástica evolução da consciência política nacional das últimas décadas, ainda é precária, insuficiente e, pior, manipulável por forças não populares e interesses vinculados ao poder econômico.
O segundo aspecto é que a formalização da Política Nacional de Participação Social propicia um fórum privilegiado para debates das políticas públicas. Não vejam nesta expressão “fórum privilegiado” qualquer sectarismo ideológico; apenas quero destacar que a participação popular pode – e deve – conduzir a população a se preparar para os debates através de instrumentos de conscientização política, que, certamente, não são oferecidos pela estrutura do Estado ou das diferentes instâncias do poder constituído, pela simples razão de que aos que ascenderam ao poder, interessa que a população em geral os tenha como interlocutores do poder, e não como parte efetiva desse poder!
Creio que esse modelo de “participação popular” arcaico, caracterizado por processos eleitorais viciados e cíclicos deva ser superado pelo reordenamento jurídico da Nação, favorecendo a organização social através de conselhos distritais, municipais, estaduais e outros, de forma a assegurar que TODOS os interessados, dentre a população, possam se manifestar em igualdade de condições sempre que uma decisão que os afete deva ser tomada.
Não proponho um estado anarquista, mas apenas um Estado Comunitário, organizado de acordo com as dinâmicas sociais, e com a mesma adaptabilidade que caracteriza as sociedades contemporâneas. Percebo que as redes sociais abriram canais de diálogo jamais previstos pelos seus criadores. No entanto, essas mesmas redes ainda representam formas arcaicas de “contaminação viral”, não se constituindo em espelho da sociedade, em todas as suas nuances estratificadas pelo poder econômico e intelectual. Ou seja, recriou-se, nas redes sociais, um reflexo de nossa sociedade de classes, sem que houvesse a democratização dos debates.
Espero que a REDE MOBILIZADORES abra espaços de diálogo para a discussão dessa nova sociedade que está em processo de criação.