Parar de pagar o cortador de cana-de-açúcar por produção e passar a pagar por salário fixo. Esta é a recomendação do economista Francisco José Alves, professor no departamento de engenharia de produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) para acabar com as mortes por excesso de trabalho.
Ele mostra que o ganho por produção coloca metas iguais para trabalhadores diferentes: a média de 12 toneladas colhidas por dia por pessoa durante a safra é facilmente atingida por alguns trabalhadores e significa muito esforço para outros, levando à exaustão. Para o pesquisador, mesmo que o piso salarial (cujo maior valor é de R$ 500) aumentasse, a relação proporcional determinada pela remuneração por produção continuaria fazendo com que o trabalhador se esforçasse além dos limites do seu corpo para ganhar mais.
Alves defende que desatrelar pagamento e produção é a única maneira de garantir uma vida mais longa ao trabalhador e menos acidentes e doenças decorrentes do trabalho. Hoje, a expectativa de vida de um trabalhador cortando 12 toneladas de cana por dia é de dez a 12 anos. Muitos cortadores acabam por pedir aposentadoria por invalidez, após cerca de dez safras. “E quem paga essa aposentadoria? Somos nós, a sociedade como um todo. Então, o que nós estamos fazendo: estamos apoiando um setor que tem um enorme passivo trabalhista”, critica. “O conjunto da sociedade tem que pensar nisso.”
Hoje, nem trabalhadores nem usineiros querem que o modelo de pagamento por produção seja modificado. O único órgão que está realizando campanha nesse sentido é o Ministério Público do Trabalho (MPT), baseado nas pesquisas de Francisco José Alves. “A discussão que eles têm que fazer é: querem viver a vida ou ser aleijado precocemente ou morrerem?”
Mortes por excesso de trabalho
Segundo Francisco Alves, ?o trabalhador da cana só vai saber quanto produziu depois de um mês, ou no mínimo 15 dias. Ele sabe quantos metros tem a área cortada, mas não sabe qual é o peso dessa cana. E essa conversão será feita pela usina, porque é ela que tem a balança. Então é um trabalho por produção em que o valor da peça não está determinado. Isso faz com que o safrista se esforce mais para ganhar mais?.
Alves fala sobre os problemas causados pelos movimentos do corte da cana (torcer o tronco, flexão de joelho e de tórax, agachar e carregar peso): ?Num dia, se ele corta seis toneladas por dia, despende aproximadamente 66.666 golpes no dia. No fim do dia, é muito comum os trabalhadores terem cãibras, lordose… É isso que está por trás das mortes dos trabalhadores do campo. Se o que se quer é acabar com as mortes por excesso de trabalho, temos que parar de pagar por produção na cana e passar a pagar por salário fixo?.
Para ele o modelo ideal de trabalho para o setor canavieiro é aquele no qual o trabalhador trabalhe o ano inteiro, recebendo um salário que o sustente nesse período. ?Existe trabalho o ano inteiro: para os tratos culturais, colheita, plantio de cana. Há um conjunto de atividades agrícolas e não agrícolas para serem feitas. Os safristas não trabalham o ano inteiro porque os usineiros não querem, preferem ter um pico de trabalhadores na safra e contrapico na entressafra. Os usineiros conseguiram conquistar o contrato de safra, em que você pode contratar por até oito meses, que é o tempo de duração da colheita. Pagam os direitos, mas não vão pagar a multa de 40% de rescisão do contrato. Isso é uma conquista patronal. Mas não é obrigado a ser assim. Podemos pensar outros contratos de trabalho?, afirma.
Piso salarial é metade doda década de 80
Outro problema apontado por Alves é o valor do contrato de trabalho. ?Para se ter um parâmetro, na década de 80, na greve de Guariba, os trabalhadores conquistaram um piso salarial pra a categoria, de dois salários mínimos e meio. O piso é referência para os dias que ele não corta cana e baseia o cálculo dos direitos trabalhistas. Isso trazido para o salário de agora daria R$ 950. Mas hoje, uma pessoa que corta em média 12 toneladas por dia, ganha entre R$ 600 e 750 por mês. O piso salarial mais alto da categoria, que acaba de ser negociado pelos trabalhadores que fizeram greve no estado de São Paulo, é de R$ 500, ou seja, um pouquinho mais que a metade do piso salarial da década de 80. De outro lado, a produtividade do trabalhador entre a década de 80 e hoje duplicou: era de seis toneladas de cana por homem, por dia. Agora é de 12 toneladas por homem, por dia. Quem não corta dez é mandado embora?.
Alves diz que convencer o trabalhador da mudança ?é uma tarefa da atividade sindical. Os empresários não querem e uma parcela do movimento sindical não quer o fim do pagamento por produção, porque dizem que os trabalhadores não querem. Mas não vão para a base para discutir o que é que os trabalhadores querem. A discussão que eles têm que fazer é: querem viver a vida ou ser aleijado precocemente ou morrerem??.
E completa: ?Para que me vale, do ponto de vista da sociedade, manter um trabalho degradante, algumas vezes em condições análogas ao trabalho escravo, que reduz a expectativa de vida dos trabalhadores, que aleija e que mata? Temos que preservar os bons empregos, os maus empregos têm que ser substituídos por máquinas. O conjunto da sociedade tem que pensar nisso. O ritmo do progresso técnico é determinado pelo país. Todo mundo que é diretamente afetado tem que discutir: as populações, as prefeituras, os trabalhadores?.
A expectativa de vida de um trabalhador cortando 12 toneladas de cana por dia é de dez a 12 anos, menor que a expectativa de vida de um trabalhador escravo do fim do século XIX, que era de 12 a 15 anos. Segundo Alves, ?mais do que dez safras cortando cana, o trabalhador está incapacitado para o trabalho: está com lordose e uma série de doenças decorrentes do trabalho. A única expectativa que ele tem é pedir a aposentadoria?. Para Francisco Alves, o fim do pagamento por produção deveria ser aplicado a diversos outros setores, como a colheita de laranja ou tomate.
Fonte: Repórter Brasil (www.reporterbrasil.org.br), com base em matéria de Beatriz Camargo.