13/04/2016 I A humanização do parto não significa mais uma nova técnica ou mais conhecimento, mas, sim, o respeito à fisiologia do parto e à mulher. O parto humanizado é aquele em que a mulher parturiente se sente segura, emocional e clinicamente, não sendo obrigada a nenhum tipo de intervenção que não deseje. Não há pressões sobre a mãe, nem sobre a criança que vai nascer. No entanto, profissionais que atuam em defesa da humanização do parto alegam que muitos hospitais e serviços médicos ignoram as regulamentações exigidas pela Organização Mundial de Saúde e Ministério da Saúde, seja por querer todo o controle da situação do parto, por conveniência dos hospitais em desocupar leitos mais rápido ou por comodidade de médicos e mulheres, que no mundo atual não podem perder muito tempo.
Uma profissional importante nos partos humanizados são as doulas, profissionais que dão suporte físico e emocional a outras mulheres antes, durante e após o parto. No entanto, em muitos locais essas profissionais são impedidas de exercer sua atividade. Um exemplo é o estado do Rio de Janeiro, onde a resolução 266/2012 do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) veta a atuação de doulas, parteiras e obstetrizes em partos hospitalares.
A seguir apresentamos um vídeo com a acupunturista, doula e educadora perinatal Aláya Dullius e a seguir dois artigos sobre as características do parto humanizado:
Normal x humanizado: você sabe mesmo a diferença?
Um ambiente acolhedor, com pouca luz e música suave, para deixar a mulher mais à vontade durante o trabalho de parto. Para muita gente, é isso o que diferencia um parto humanizado de um parto normal hospitalar padrão.
Quando se fala em humanização da assistência ao parto, porém, há muito mais coisas em jogo do que a beleza das instalações e a gentileza no trato com as parturientes. Envolve também uma mudança de atitude: respeitar os desejos das mulheres.
“Existem dois tipos de humanismo: o que eu chamo de humanismo superficial, no qual o quarto é bonito e a mãe é tratada de maneira amável, mas a taxa de intervenções não diminui, e o que eu chamo de humanismo profundo no qual a profunda fisiologia do nascimento é honrada”, observa a antropóloga norte-americana Robbie Davis-Floyd num artigo publicado pela revista Midwifery Today em 2007.
Mas a que intervenções exatamente ela se refere? Os procedimentos hospitalares realizados rotineiramente durante o parto são necessários para ajudar no processo natural, de modo a garantir a manutenção da saúde da mãe e do bebê, certo?
Errado. Essa é a primeira questão difícil de compreender: pesquisas científicas mostram que muitas das intervenções médicas praticadas atualmente no parto normal são, na verdade, desnecessárias e prejudiciais. No entanto, continuam sendo feitas. Por quê? Boa pergunta…
O uso rotineiro de enema (lavagem intestinal), de raspagem dos pelos púbicos, de infusão intravenosa (soro) e da posição supina (mulher deitada de barriga para cima) durante o trabalho de parto estão entre as condutas consideradas claramente prejudiciais ou ineficazes e que deveriam ser eliminadas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar disso, fazem parte do protocolo de assistência de muitos hospitais e maternidades, sendo realizadas todos os dias, de forma indiscriminada.
O mesmo vale para para os procedimentos com o recém-nascido: na maioria dos hospitais, logo após o nascimento, os bebês têm as vias aéreas aspiradas pelo pediatra com o uso de sonda, mesmo aqueles que nascem saudáveis e que seriam capazes de eliminar por conta própria as secreções. Por outro lado, o contato pele a pele com a mãe, fundamental para o estabelecimento do vínculo, e a amamentação na primeira hora de vida, preconizada pela OMS, muitas vezes não são priorizados pela equipe.
No parto humanizado, por outro lado, nenhum procedimento é rotineiro: as intervenções são feitas de forma criteriosa e apenas quando realmente necessário.
A segunda questão complexa diz respeito à participação de cada um dos atores na cena do parto. Em nossa cultura, quem costuma ocupar o papel principal é o médico, que “estudou para isso”, como se ouve muito por aí. Nessa visão, cabe à mulher uma posição passiva. A última palavra é do profissional, pois o parto é um “ato médico”.
O movimento de humanização do parto, que cresce em várias partes do mundo, tem uma visão diferente: a mulher é protagonista do próprio parto e deve participar ativamente das decisões, em parceria com os profissionais que lhe dão assistência.
No parto humanizado, a mulher é incentivada a se informar e a fazer suas próprias escolhas. Seus desejos são acolhidos e respeitados.
Veja no quadro abaixo algumas das principais diferenças entre o parto normal hospitalar padrão e o parto humanizado.
Normal | Humanizado | |
---|---|---|
Pré-natal | Em geral, limita-se a avaliar a saúde física da mulher e do bebê. Aspectos emocionais da gestação ficam em segundo plano. Fala-se pouco de parto. | Avalia a saúde física da mulher, incluindo todos os exames recomendados pela OMS, e também dá grande ênfase ao preparo emocional da mulher para o parto e a maternidade. |
Início do trabalho de parto | Dificilmente permite-se que a gestação ultrapasse 40 semanas. Quando atinge esse “limite”, a mulher é internada para a indução do parto com medicamentos ou vai para a cesárea porque “passou da data”. | Costuma ser espontâneo, ainda que o tempo de gestação ultrapasse as 40 semanas (com consultas e exames mais frequentes após 41 semanas). |
Ruptura da bolsa | Em geral é provocada pelo médico, com uma espécie de agulha, para acelerar o trabalho de parto. | Costuma acontecer naturalmente, de forma espontânea, ao longo do trabalho de parto. |
Duração do trabalho de parto | É acelerada com ocitocina sintética (hormônio), que intensifica as contrações. | Respeita-se o ritmo natural do nascimento, que varia muito de um parto para o outro. |
Posição durante o trabalho de parto | Deitada na cama, de barriga para cima. Um cinta presa na barriga da mulher e ligada a um aparelho (cardiotocografia) monitora as contrações e os batimentos cardíacos do bebê. | A mulher tem liberdade para escolher e alternar posições. Pode sentar na bola de parto, deitar na banheira, ficar de quatro sobre cama, acocorar-se nas contrações etc. |
Anestesia | No atendimento particular, é um procedimento de rotina (para todas as mulheres, ao atingirem um determinado estágio de dilatação). No serviço público, não está disponível tão facilmente. | É uma escolha da mulher, que é incentivada a dar preferência a métodos naturais de alívio da dor, como massagens, banhos mornos e o suporte físico e emocional de uma doula (acompanhante de parto). Quando a mulher decide pelo alívio medicamentoso, é feita uma analgesia, que tira a dor, mas não os movimentos. |
Local | Hospital (sala de parto ou centro cirúrgico). | Hospital (suíte de parto normal, com chuveiro, banheira e bola de parto), em casa de partos ou em casa (apenas para gestantes de baixo risco). |
Episiotomia (corte no períneo) | Procedimento de rotina, feito em praticamente todos os partos normais. | Realizada raramente, apenas se absolutamente necessário. |
Contato com o bebê após o nascimento | O cordão umbilical é cortado imediatamente, o bebê é mostrado para a mãe e levado pelo pediatra para uma série de exames e intervenções, como a aspiração das vias aéreas superiores e a aplicação de colírio de nitrato de prata. | Se o bebê nasce bem (o que é o caso da maioria), a prioridade do pediatra é garantir o contato pele a pele do recém-nascido com a mãe. O bebê é apenas enxugado e coberto com panos macios, no colo da mãe. São oferecidas todas as condições para que ocorra a amamentação na primeira hora de vida. A aspiração é feita apenas se for realmente necessário. O cordão é cortado só depois que para de pulsar. |
Participação da mulher | A gestante tem uma posição passiva diante do processo do parto. É considerada uma “paciente” e, como tal, é esperado que aceite as decisões do médico, que é quem está de fato no comando da situação. | Compartilha a tomada de decisões com a equipe responsável pela assistência ao parto, que pode contar com médico ou parteira (enfermeira obstetra ou obstetriz). No segundo caso, o obstetra fica na retaguarda e é acionado apenas se necessário. |
O que é Parto Humanizado?
Uma importante questão a ser esclarecida é que o termo "parto humanizado" não pode ser entendido como um "tipo de parto", onde alguns detalhes externos o definem como tal, como o uso da água ou a posição, a intensidade da luz, a presença do acompanhante ou qualquer outra variável. A Humanização do parto é um processo e não um produto que nos é entregue pronto. Acredito que estamos a caminho de tornar cada vez mais humano este processo, isto é, tornar cada vez mais consciente a importância de um processo que para a humanidade sempre foi instintivo e natural e que por algumas décadas tentamos interfirir mecanicamente, ao hospitalizarmos o nascimento e querer enquadrar e mecanizar em um formato único as mulheres e o evento parto.
O termo “humanização” carrega em si interpretações diversas. A qualidade de “humano” em nossa cultura quase sempre se refere à ideia arraigada na moral cristã de ser bom, dócil, empático, amável e de ajudar o próximo. Nesse contexto, retirar a mulher de seu “sofrimento” e “acelerar” o parto através de medicações e de manobras técnicas ou cirúrgicas e é uma tarefa nobre da medicina obstétrica e assim vem sendo cumprida. Mas há um porém neste tipo de intervenção. Um olhar mais atento na prática atual da assistência ao parto revela uma enorme contradição entre as intervenções técnicas ou cirúrgicas e as suas conseqüências no processo fisiológico do parto e na saúde física e emocional da mãe e do bebê. Um olhar ainda mais atento nos processos culturais, emocionais, psíquicos e espirituais envolvidos no parto revelam novos e norteadores horizontes, tal qual a importância, para mãe e filho, de vivenciar integralmente a experiência do parto natural.
A qualidade de humano que se quer aqui revelar envolve os processos inerentes ao ser humano, os processos pertinentes ao ciclo vital e a gama de sentimentos e transformações que a acompanham. O processo de nascimento, as passagens para a vida adolescente e adulta, a vivência da gravidez, do parto, da maternidade, da dor, da morte e da separação são experiências que inevitavelmente acompanham a existência humana e por isso devem ser consideradas e respeitadas no desenrolar de um evento natural e completo como é o parto. Muitas e muitas mulheres ao relatarem seus partos via cesariana mostram a frustração de não terem parido naturalmente, com as próprias forças, os seus filhos. Querem e precisam vivenciar o nascimento de seus filhos de forma ativa, participativa, inteira.
Viver os processos naturais e humanos por inteiro muitas vezes envolve dor, incômodo, conflito, medo. Mas são estes mesmo os “portais” para a transição, para o crescimento, para o desenvolvimento e amadurecimento humano. A humanização proposta pela ‘humanização do parto’ entende a gestação e o parto como eventos fisiológicos perfeitos (onde apenas 15 a 20% das gestantes apresentam adoecimento neste período necessitando cuidados especiais), cabendo a obstetrícia apenas acompanhar o processo e não interferir buscando ‘aperfeiçoá-lo’.
Humanizar é acreditar na fisiologia da gestação e do parto.
Humanizar é respeitar esta fisiologia, e apenas acompanhá-la.
Humanizar é perceber, refletir e respeitar os diversos aspectos culturais, individuais, psíquicos e emocionais da mulher e de sua família.
Humanizar é devolver o protagonismo do parto à mulher.
É garantir-lhe o direito de conhecimento e escolha.
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