A vinda da filósofa norte-americana Judith Butler ao Brasil, em novembro de 2017, para participar do seminário “Os Fins da Democracia”, no SESC Pompéia (SP), voltou a colocar em evidência a chamada “ideologia de gênero”.
Conservadores de direita começaram a associar o nome da professora da Universidade de Berkeley (Califórnia) a esse termo, que ela nunca utilizou.
Butler é um dos mais importantes nomes na área dos estudos de gênero. Ela é o principal expoente da teoria queer – campo para o qual o gênero, a orientação e a identidade sexual são resultados de uma construção social, e, portanto, não biológicos.
Além disso, a filósofa veio ao Brasil para falar sobre seu novo livro “Caminhos Divergentes: Judaicidade e Crítica do Sionismo”, no qual trata do conflito Israel-Palestina e não sobre qualquer tema relacionado a gênero.
A despeito disso, grupos radicais de direita fizeram abaixo-assinados e protestos nas redes sociais para tentar impedir a visita de Buttler; como não obtiveram êxito, saíram das redes e rumaram à porta do Sesc, na manhã do dia 7 de novembro. Numa verdadeira caça às bruxas, a exemplo da Idade Média, atearam fogo a uma boneca com o rosto da filósofa, aos gritos de “queimem a bruxa”.
“O ataque ao gênero provavelmente emerge do medo a respeito de mudanças na família, no papel da mulher, na questão do aborto e das tecnologias para reprodução, direitos LGBTs e casamento homoafetivo” (Judith Butler)
Ao analisar essa “cruzada contra a “ideologia de gênero”, a professora e pesquisadora Sonia Corrêa afirma que ela “não é uma novidade nem tampouco um fenômeno exclusivamente brasileiro”. De acordo com Sonia, “essa cruzada remonta aos debates nas Nações Unidas dos anos 1990, quando por primeira vez, na Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento (1994), o conceito de gênero foi adotado num documento intergovernamental. Seis meses mais tarde, nos debates preparatórios para a IV Conferência Mundial das Mulheres de Pequim o termo gênero foi atacado pela direita católica norte-americana, que nele reconheceu um forte potencial desestabilizador da dita ordem natural dos sexos. Inaugura-se aí uma vasta produção e disseminação de argumentos contra o conceito de gênero, descrito nesses textos como instrumento de uma conspiração feminista internacional”.
Ideologia de gênero não existe
Como percebemos, a tal “ideologia de gênero” tão cara aos grupos radicais de direita na verdade não existe. Em entrevista à Pública, a doutora em Educação Jimena Furlani, que desenvolveu extensa pesquisa sobre o assunto, explica os equívocos do conceito.
“A ideologia de gênero é um termo que apareceu nas discussões sobre os Planos de Educação, nos últimos dois anos, e tem sido apresentado a nós como algo muito ruim, que visa destruir as famílias. Trata-se de uma narrativa criada no interior de uma parte conservadora da Igreja Católica e no movimento pró-vida e pró-família”, explica Jimena.
Segundo ela, é “uma retórica que afirma haver uma conspiração mundial entre ONU, União Europeia, governos de esquerda, movimentos feminista e LGBT para “destruir a família”, mas que, em última análise, objetiva, sim, propagar um pânico social e voltar as pessoas contra aos estudos de gênero e contra todas as políticas públicas voltadas para as mulheres e a população LGBT, sobretudo nas questões relacionadas aos chamados novos direitos humanos, por exemplo, no uso do nome social, no direito à identidade de gênero, na livre orientação sexual”.
Jimena esclarece que “todos nós seres humanos possuímos um sexo e um gênero. Enquanto o “sexo” é o conjunto dos nossos atributos biológicos, anatômicos, físicos e corporais que nos definem menino/homem ou menina/mulher, o gênero é tudo aquilo que a sociedade e a cultura esperam e projetam, em matéria de comportamento, oportunidades, capacidades etc. para o menino e para a menina”.
Ela afirma que o “conceito gênero só surgiu porque se tornou necessário mostrar que muitas das desigualdades às quais as mulheres eram e são submetidas, na vida social, são decorrentes da crença de que nossa biologia nos faz pessoas inferiores, incapazes e merecedoras de menos direitos. O conceito gênero buscou não negar o fato de que possuímos uma biologia, mas afirmar que ela não deve definir nosso destino social”.
Perspectiva de gênero e direitos humanos
A professora Jimena Furlani lembra que “a perspectiva de gênero está na base dos novos direitos humanos e na justificativa das políticas de amparo às mulheres que repercute nas discussões acerca do conceito de vida e das leis sobre direitos sexuais e reprodutivos, aborto e população LGBT”.
Sem dúvida, se considerarmos que o conceito gênero permite as discussões acerca da posição da mulher na sociedade, da aceitação dos novos arranjos familiares, das novas conjugalidades nos relacionamentos afetivos, ampliação da forma de ver os sujeitos da pós-modernidade e no reconhecimento da chamada diversidade sexual e de gênero, então, não há campo do conhecimento contemporâneo mais impactante e perturbador para as instituições conservadoras e tradicionais que os efeitos reflexivos dos estudos de gênero. (Jimena Furlani)
Sonia Corrêa enfatiza que “a moldura semântica ‘ideologia de gênero’ é um significante vazio e adaptável, alimentando pânicos morais que distraem as sociedades de problemas estruturais que deveriam estar sendo debatidos, como as crescentes desigualdades de gênero, mas também de classe, raça e etnia”.
Fontes: Catacra Livre, Uol, Rede Brasil Atual, Caros Amigos, The Intercept Brasil, #AgoraÉQueSãoElas, Pública
Ideologia de Gênero – Quem criou, por que e para que?
Ideologia de Gênero – A “Teoria da Conspiração” – de Marx a Butler
Ideologia de Gênero – Sexo é da Biologia e Gênero é da sociedade e da cultura
Ideologia de Gênero – Não existe!
Não existe “ideologia de gênero”
Café Filosófico – Ideologia de gênero
Que tem medo de Judith Butler?
O pensamento de Judith Butler
Visita de Judith Butler ensina: ideologia de gênero e bruxas não existem
“Queimem a bruxa!” visita de Judith Butler provoca manifestações nas ruas de São Paulo
Judith Butler: “O ataque ao gênero emerge do medo das mudanças”
Ideologia de gênero: rastros e significados
Afinal, existe a tal “ideologia de gênero”?
Ideologia de gênero: rastros e significados
Ideologia de Gênero: O gatilho do pânico
Ideologia de gênero: uma falácia construída sobre os planos de educação brasileiros
Ideologia de Gênero: O gatilho do pânico
Não é ‘ideologia de gênero’, é educação e deve ser discutido nas escolas, diz pesquisadora
Você precisa fazer o login para participar do fórum.
Comentários