30/05/2016 I A mobilização dos estudantes secundaristas que têm ocupado escolas para reivindicar ensino de qualidade, melhor infraestrutura, democracia e diversas outras pautas que envolvem as gestões estaduais da Educação começou em São Paulo, em 2015, como forma de resistência à proposta de reorganização escolar do governo do estado. Os estudantes conseguiram barrar o projeto, que foi suspenso pela Justiça paulista. A partir de então, o movimento tem se espalhado para diversos locais do país, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, Ceará, Paraná e Rio Grande do Sul.
A seguir divulgamos os principais pontos de uma entrevista que o professor Plabo Ortellado, da USP, concedeu a Patricia Fachin, do IHU Online, falando sobre o significado das ocupações, e um artigo de Mônica Francisco, membro da Rede de Instituições do Borel, que acompanhou de perto a ocupação em duas escolas no Rio de Janeiro.
Pablo Ortellado é professor do curso de Gestão de Políticas Públicas, orientador no programa de pós-graduação em Estudos Culturais e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), todos na USP.
Mônica Francisco é membro da Rede de Instituições do Borel, coordenadora do GrupoArteiras e consultora na ONG ASPLANDE, que desenvolve projetos de capacitação voltados para o fortalecimento de iniciativas empreendedoras.
Significado das ocupações
As ocupações atuais são desdobramentos das ocupações do ano passado (2015), que foi uma das estratégias usadas pelo movimento dos secundaristas para se organizar contra o fechamento das escolas em São Paulo. Essa foi uma das várias “armas” utilizadas pelo Movimento de Estudantes Secundaristas, que ganhou muita proeminência porque foi muito eficaz. Quando o governo do Estado de São Paulo anunciou a chamada “reorganização escolar”, que consistia no fechamento de 200 escolas, os estudantes fizeram uma série de mobilizações: primeiro fizeram atos nas escolas, depois fizeram atos nos bairros, atos centralizados na cidade, ocupações das escolas e, por fim, o trancamento de vias importantes.
Portanto, houve um conjunto amplo de táticas utilizadas pelo Movimento dos Secundaristas, mas a que ficou conhecida como “símbolo do movimento” foi a ocupação de escolas. As ocupações viraram um símbolo dos estudantes por uma série de motivos, especialmente porque havia uma afirmação do espaço escolar, que estava sendo ameaçado de ser fechado.
Então, os estudantes se apropriaram do espaço da escola e realizaram uma série de atividades, como palestras, oficinas, fizeram pequenas reformas nas escolas, e essa apropriação direta gerou uma grande simpatia da comunidade, não só da comunidade escolar – pais e professores -, mas também da sociedade em geral. Acredito que esse sucesso fez com que o governador de São Paulo [Geraldo Alckmin] suspendesse temporariamente, no ano passado, o fechamento das escolas e demitisse o Secretário de Educação.
Essa forma de manifestação foi adotada também nas escolas técnicas de São Paulo, sobretudo para reivindicar alimentação escolar, que estava ausente ou perdendo qualidade.
Paralelo com Junho de 2013
Acredito que essas ocupações são o filho mais legítimo das manifestações de Junho de 2013, porque na gênese dessas ocupações vemos a agitação de grupos que estavam ligados ao MPL [Movimento Passe Livre]. Além dessa conexão direta, as ocupações das escolas são a principal encarnação do espírito de Junho de 2013. Além da luta contra a redução da tarifa, Junho de 2013 foi uma grande mobilização da sociedade brasileira, criticando a representação política e defendendo direitos sociais, como direito ao transporte, educação e saúde, e os secundaristas são a encarnação desse legado.
Em Junho de 2013 aconteceu um engajamento muito grande da população - 12% da população participou efetivamente dos protestos. Isso gerou um compromisso muito grande da sociedade brasileira com estas duas pautas: a defesa dos direitos sociais e a crítica do sistema de representação.
Organização autônoma
Eles são mais autônomos do que autonomistas, no sentido de que são ideologicamente contrários a partidos; eles são uma expressão mais ou menos espontânea da organização direta, sem a mediação e sem o controle de organizações partidárias. Embora exista uma parte significativa desse movimento que está sob a influência da UNE [União Nacional dos Estudantes], do PCdoB, tem outra parcela que está sob a influência dos grupos autonomistas, no sentido ideológico do termo. Porém, a maioria deles não é nem uma coisa nem outra; são apenas estudantes que estão se organizando autonomamente e tentando se manter à parte de organizações políticas, na defesa dos seus direitos.
Divergências entre os estudantes
O governo do Estado – e essa é a novidade dos últimos dias – tem se utilizado dessa divergência que existe no meio estudantil. Como o governo do Estado teme que uma repressão direta aos estudantes traga um ônus político muito grande, o governo e a Secretaria de Educação têm estimulado os estudantes divergentes a agir contra os seus colegas, e isso tem acontecido bastante. Na verdade, essa tem sido uma estratégia que vem sendo utilizada desde o ano passado pelas direções das escolas, aparentemente por meio de uma coordenação da Secretaria de Educação. Nem todas as escolas apoiam as ocupações, e mesmo nas escolas que são ocupadas há alunos que não apoiam a ocupação, mas isso é natural em qualquer movimento social; é difícil conseguir uma unanimidade.
Preocupação com o cuidado da escola
Essa é uma das características mais marcantes desse movimento: ele é uma apropriação da escola, embora seja uma crítica ao sistema escolar. O que vimos no ciclo passado - este ainda está em curso e não dá para avaliar direito porque as ocupações não foram tão duradouras - foi um cuidado com a escola: estudantes limpando e pintando a escola, fazendo pequenas reformas, e trazendo palestras, oficinas e shows para a escola. Portanto, tem todo esse simbolismo dos estudantes de se apropriar da escola e transformá-la em um lugar melhor, a despeito do discurso do governo do Estado, que tenta justamente caracterizar o contrário, falando em depredação e vandalismo.
Existe uma disputa política entre os estudantes e o governo sobre o significado das ocupações dos secundaristas: se ela é de violação e de destruição da propriedade da escola ou, pelo contrário, se é a apropriação da escola pelos seus legítimos ocupantes.
Manual "Como ocupar um colégio?", elaborado por estudantes chilenos
Ele serviu de orientação, sim, e foi da leitura deste manual que nasceu a ideia de ocupar as escolas. Na verdade, as ocupações foram influenciadas por dois elementos: o documentário do Carlos Pronzato, sobre a Revolta dos Pinguins, que é um documentário mostrando a ocupação das escolas pelos estudantes chilenos, que circulou antes de as escolas daqui serem ocupadas, na época dos protestos de rua; e pelo coletivo autonomista “Mal Educado”, que traduziu e distribuiu o manual de ocupação, que tinha sido produzido pelos estudantes chilenos e adaptados pelos estudantes argentinos, o qual mostrava como fazer a ocupação, como entrar na escola, como se organizar em comissões. Esse manual serviu de inspiração para as ocupações, que pareciam muito exóticas num primeiro momento. O fato de os estudantes verem que isto já tinha sido feito em grande escala em outros países serviu de inspiração e de motivação, pelo menos para as duas primeiras escolas que foram ocupadas no ano passado.
Depois da ocupação das duas primeiras escolas, em São Paulo, as outras se sentiram mais autorizadas, de tal modo que 200 escolas foram ocupadas no ano passado. Neste ano, o que estamos vendo é que a ocupação está centrada nas escolas técnicas, que são bem menos numerosas, por isso, nesse momento, deve haver entre 18 e 20 escolas ocupadas.
Continuidade do movimento estudantil
Essa tática da ocupação de escolas se tornou um símbolo e está se expandindo: ocorreram ocupações em Goiás contra a transferência do controle das escolas para organizações sociais; mobilizações no Rio de Janeiro contra as más condições das escolas, porque houve um corte de recursos enorme; também houve ocupações no Ceará e no Pará. Portanto, é um processo que está se espalhando, ainda não chegou num estágio de ficar fora de controle, mas obviamente está se expandindo. As Secretarias de Educação estão muito preocupadas com a possibilidade de o movimento ganhar bastante proeminência e se espalhar pelo Brasil como se espalhou pelo Chile em 2006 e 2011, e até recentemente, no Paraguai, quando os estudantes, depois de uma série de ocupações das escolas, conseguiram derrubar a Ministra da Educação [Marta Lafuente].
Relação dos estudantes com a polícia
Hoje (13/05/2016) tivemos uma novidade. A Secretaria de Segurança Pública conseguiu um parecer de que pode fazer as desocupações sem autorização judicial, e já ocorreram algumas ocupações agora pela manhã. A Secretaria de Segurança Pública tem agido de maneira muito bruta e o governo tem sempre optado por se relacionar com os estudantes mais pela força policial do que “politicamente”. Embora o ato dos estudantes seja um ato político, a resposta do governo não tem sido política, tem sido uma resposta predominantemente policial. A única resposta política que o governo de São Paulo deu para as ocupações foi o ato final de suspensão temporária da medida de fechar as escolas.
Desdobramentos políticos das ocupações
Esse movimento tem demandas muito concretas e conseguiu uma vitória com a abertura da CPI da Merenda na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Além disso, algumas escolas que não recebiam merenda passaram a receber, e o governo também prometeu construir refeitórios em várias escolas; portanto, os ganhos concretos daquelas reivindicações já estão acontecendo.
Mas, além disso, está acontecendo a emergência de uma nova geração de ativistas: os estudantes que estão ocupando as escolas são meninos muito jovens, que têm entre 13 e 17 anos. Nas ocupações do ano passado, o grupo organizador de ativistas, em cada escola, tinha entre 30 e 50 pessoas. Considerando que foram 200 escolas ocupadas, então tivemos algo como seis ou dez mil ativistas que foram formados nesse ciclo. Essas são pessoas que foram formadas politicamente com a ideia de que é possível derrotar o poder do Estado quando ele ameaça os direitos sociais, de que essa luta pode ser feita fora das instituições. Isso poderá reforçar um novo componente da política dos movimentos sociais brasileiros nos próximos anos, porque no futuro um número grande de ativistas da nova geração passará a compor os movimentos sociais brasileiros, reforçando essa nova perspectiva que já estava presente nos movimentos anteriores, mas que ganhará a adesão de muita gente.
Fonte: Patricia Fachin, do IHU Online.
Ocupação nas escolas: tendência e inspiração
Há um movimento que vem se mostrando, já desde o seu início em São Paulo, como uma das ações de vanguarda neste período de efervescência na sociedade brasileira. É o movimento de ocupação das escolas por alunos e alunas. Certamente estes alunos e alunas não são mais os mesmos de antes da ocupação. Sua atitude vai gerar uma marca profunda na vida deles e delas, e como toda vanguarda, vem se desenhando como inspiração e tendência, seguida com intensa adesão e muita vontade de mudança, por pares de vários estados.
Não pude ir a muitas destas ocupações pelo óbvio, o tempo. Mas nas duas que acompanhei de perto, no Colégio Estadual Herbert de Sousa no Rio Comprido e Compositor Luiz Carlos da Vila em Manguinhos, pude ver e ouvir, além de conversar bastante com os estudantes. E o que vê neste movimento é a ruptura e a desconstrução do discurso atemporal e cristalizado de uma juventude, apática e alienada.
No caso das escolas estaduais, sua população discente ainda tem mais alguns desafios, como a criminalização e a subvalorização. O que temos assistido é um espetáculo de comprometimento e de amor ao espaço escolar, uma espécie de resgate do espaço da alegria, da ludicidade e do pertencimento.
A libertação de livros e equipamentos eletrônicos, a quebra das correntes que prendem e encerram bibliotecas e laboratórios de informática, a exploração de pátios vedados por simples capricho ou/e demonstração de força.
A revelação do sucateamento não só dos espaços físicos, mas a deterioração das relações, que por sinal, uma das relações mais importantes para a consolidação da própria essência dos seres que ali buscam a constituição de si mesmos como sujeitos e sujeitas da sua história.
São histórias de racismo, humilhação, constrangimento e resiliência, sim, muita resiliência. Sim, sei que são muitas as dificuldades dos docentes, dos profissionais de apoio, das direções, mas nada se compara com a potência que se desperdiça ao não se ouvir mais estes meninos e meninas.
Li muitos textos sobre pesquisas acadêmicas e artigos de profissionais da docência, pedagogos e pedagogas que chamam a atenção para a esgotada forma de se educar no Brasil, de que precisamos lutar por uma escola que priorize a troca, a cumplicidade e principalmente o respeito ao alunato.
Não sei se teremos tudo isso ao terminarem as ocupações, mas certamente esses alunos e alunas não serão mais os mesmos(as), Serão profundas como disse as marcas deixadas por uma das maiores e mais ricas experiências que eles puderam ter na escola, a de verem a escola sendo de fato parte deles e eles sendo parte da escola.
Lindo de ver, lindo de participar. Se puder, visite, vá, converse com os alunos e contribua. A escola é de todas(os) nós!
Fonte: Jornal do Brasil
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