Oprofessor Rodrigo Grünewald, coordenador do Laboratório de Estudos em Movimentos Étnicos (LEME) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), fala sobre as características e potenciais do turismo étnico e como esta atividade pode contribuir para a subsistência de muitos povos no Brasil. Ressalta também os riscos de as comunidades mais isoladas se exporem a fluxos turísticos.
Mobilizadores COEP – O que é o turismo étnico? Ele é desenvolvido no Brasil? Onde e de que forma?
R. Algum leitor pode argumentar que qualquer turismo já implica o turismo étnico, pois, na medida em que se viaja, se conhece outros povos. Mas o turismo étnico é caracterizado por um povo que coloca sua singularidade cultural como atrativo turístico. Trata-se, em larga medida, de uma mercantilização cultural, onde os atributos que definem a etnia de um povo são colocados à venda no mercado turístico. São as danças étnicas, o artesanato, as músicas, etc.
No Brasil, o turismo étnico é principalmente desenvolvido no Sul do país, entre populações descendentes de imigrantes que, além de exibirem uma cultura que tem relação com suas origens européias, promovem festivais, como a Oktober Fest. Há, ainda, a possibilidade de desenvolver o turismo étnico entre povos indígenas ou quilombolas, mas esta é uma perspectiva que ainda está engatinhando no Brasil.
Mobilizadores COEP – Existe potencial para o crescimento do turismo étnico em nosso país? Por quê?
R. Sim. O Brasil é um país multicultural e seu expressivo pluralismo étnico poderia ser explorado para fins turísticos, valorizando as diversas etnias nativas brasileiras. Há, contudo, uma ideologia indigenista nacional que não é propensa ao encontro de turistas com indígenas.
Mobilizadores COEP – O que as pequenas comunidades quilombolas, indígenas ou que vivem isoladas podem ganhar com o turismo, e como essa atividade em geral afeta essas comunidades?
R. As pequenas comunidades étnicas no Brasil, em geral, passam por sérias dificuldades de subsistência. O turismo, além de levar alguns recursos para essas comunidades, pode revitalizar o orgulho étnico dos seus membros, especialmente dos jovens, freqüentemente discriminados pelas sociedades regionais. A exibição de culturas distintas é requerida pelos turistas para tais comunidades, e isso pode levar a processos de intensa revitalização cultural nelas. Por outro lado, muitas vezes os turistas não estão preparados para entender que a alteridade cultural exibida por essas comunidades pode não ser coincidente com a que eles esperam encontrar nas aldeias, fazendo com que estigmatizem os nativos como ?aculturados?, ?civilizados? e, portanto, desinteressantes.
Mobilizadores COEP – Quais são os riscos que uma comunidade mais isolada sofre quando passa a receber um fluxo turístico? O que é importante observar para que ela preserve suas características e valores culturais?
R. Comunidades isoladas não deveriam se expor a fluxos turísticos, pois abruptas mudanças culturais e sociais, bem como a ganância empresarial para formação de pólos turísticos, geralmente desarticulam nexos de solidariedade e geram expectativas ilusórias de uma vida melhor. A modernidade que acompanha a criação de um pólo turístico sobre uma comunidade isolada, geralmente faz com que os membros dessa comunidade ocupem os lugares menos respeitados (e economicamente viáveis) no novo point.
Em geral, comunidades mais isoladas são primeiramente alcançadas por viajantes que não se sentem ?turistas? e que querem interagir com os membros locais, aprendendo com eles sobre suas vidas. Esses viajantes comumente são a primeira ponte para a chegada posterior de um fluxo turístico.
Mobilizadores COEP – Que exemplos recentes no Brasil você poderia citar em que o turismo ajudou na revitalização cultural das comunidades?
R. O caso Pataxó, especialmente o da Reserva da Jaqueira, em Coroa Vermelha, no litoral do extremo sul da Bahia (município de Santa Cruz Cabrália, ao lado de Porto Seguro) é um importante e muito feliz exemplo de um etnodesenvolvimento com base no turismo. Os Pataxós da Associação Pataxó de Ecoturismo (ASPECTUR) desenvolveram um belo projeto.
O Turismo se desenvolveu entre os Pataxó a partir dos anos 1970 e ganhou força no início dos anos 80. Mas os Pataxó foram sempre colocados pela imprensa e empresários locais como um atrativo extra dos passeios turísticos que promoviam. Há na região uma baianidade hegemônica e o turista vai para a região atrás de lazer nas praias, música Axé e, em menos escala os roteiros históricos e a culinária baiana. Os Pataxó eram percebidos pelos turistas apenas quando já estavam no local – e com espanto, pois não faziam a menor idéia de que haveriam índios naquela região. Esses índios eram vistos negativamente tanto pelos turistas como pelos locais como aculturados, civilizados e não mais atraentes no sentido de fornecerem ao turista um diferencial cultural que os interessasse. Não havia o menor investimento nos indígenas inclusive.
A Jaqueira, um projeto dos índios para os índios, foi muito importante porque proporcionou aos índios uma renovação cultural num espaço de mata atlântica, onde, livre da dominação empresarial e de políticas públicas local, puderam se organizar em termos turísticos para afirmar sua cultura diferencial, sua história a partir do seu ponto de vista, criando assim, não só importante geração de renda, como respeito etc. Trata-se de um desenvolvimento sustentável que afirma a étnica (etnodesenvolvimento) e que agora passa a ser referência provável para outros desenvolvimentos turísticos indígenas.
Mobilizadores COEP – O turismo pode contribuir para a formação da consciência cultural do visitante? De que forma e em que medida isso se dá?
R. Na Reserva da Jaqueira, por exemplo, o visitante escuta dos índios a versão deles sobre a história do contato com o homem branco, as lutas que passaram e muitas outras coisas, dando ao visitante a oportunidade de tomar consciência da história de contato do índio com o branco sob o ponto de vista do índio. Além disso, o visitante prova da culinária indígena, assiste ao povo fazendo artesanato, aprende algumas palavras, dança com os índios, pode desfrutar da cultura nativa.
Mobilizadores COEP – Quais os maiores desafios do turismo diante da globalização?
R. Ao contrário do que se pensa, a globalização não promove uma homogeneização cultural no mundo, pois, em cada localidade, as comunidades reagem de maneira própria aos fluxos transnacionais de cultura, se recriando perpetuamente.
Entrevista concedida à: Marize ChicanelEdição: Eliane AraújoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.