O governo prepara uma medida provisória para afrouxar as regras de registro de agrotóxicos no país. O texto, redigido pelo Ministério da Agricultura com a colaboração do setor produtivo, cria uma brecha para o uso de defensivos que hoje seriam classificados como cancerígenos, teratogênicos (com risco de má-formação nos fetos) ou com capacidade de provocar mutações celulares. Atualmente, qualquer produto que preencha alguma dessas características é proibido de ser lançado no Brasil.
A mudança seria possível graças à inclusão da expressão “nas condições recomendadas para uso” no texto da lei atual, de número 7.802, de 1989. Essa incorporação, prevista na MP, permitiria liberar produtos considerados nocivos à saúde em testes de laboratório, desde que algumas condições fossem atendidas para reduzir os riscos desses efeitos. Entre essas condições estão o uso de equipamentos de proteção individual durante a aplicação do agrotóxico ou de pulverizadores protegidos com cabines com pressão negativa.
A diretora executiva do Sindicato Nacional da Indústria de Produto para Defesa Vegetal (Sindiveg), Sílvia Fagnani, afirma que as regras atuais são excessivamente rígidas. “O fogo, por si só, é perigoso. Mas a fogueira, onde o risco está controlado, pode ajudar a aquecer quem está próximo. A avaliação de risco segue a mesma filosofia”, comparou. Ela argumenta que resultados de testes em laboratórios, feitos com animais, não podem ser usados como parâmetro de risco para o que ocorre com seres humanos, no campo.
Segurança
Embora recebida com entusiasmo pelo agronegócio, a proposta enfrenta resistências dentro do próprio governo. Em nota técnica, integrantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foram contrários à mudança. “A edição da MP poderá gerar insegurança na população quanto à exposição de pessoas e recursos naturais a substâncias preocupantes e, também, quanto à contaminação de produtos agrícolas”, informa o texto.
Em documento de três páginas, a instituição argumenta que a avaliação de riscos de agrotóxicos é um tema relevante, mas que sua aplicação requer uma estrutura ainda não disponível no País. “Neste momento é uma medida prematura, precipitada e que, na prática, poderá não vir a ser atendida, especialmente em se tratando das fases mais avançadas de avaliação, que envolvam a realização de estudos de maior complexidade”, diz a nota.
O Ibama observa que os resultados de testes de avaliação de risco feitos em outros países não podem ser simplesmente considerados como aplicáveis no Brasil. Os riscos do produto, acrescenta a instituição, têm de ser avaliados nas espécies locais e sob condições encontradas no País. O texto lembra ainda que a simples recomendação de uso do produto não garante, por si, a redução de riscos. Para isso é preciso que sejam cumpridas à risca. Algo que não há como ser garantido, sobretudo diante das deficiências na fiscalização.
Entre as críticas de integrantes do Ibama à medida provisória que deve alterar o registro de agrotóxicos está a previsão de supressão de uma regra que prevê que somente podem ser registrados no Brasil produtos que tenham ação tóxica comprovadamente igual ou menor do que os existentes atualmente.
Analistas da área de saúde ouvidos pela reportagem têm avaliação semelhante. Eles argumentam que a regra atual serve como incentivo para que a indústria redobre seus esforços em lançar produtos mais seguros tanto para saúde quanto para o meio ambiente.
Ibama e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) integram, com o Ministério da Agricultura, o Comitê Técnico de Assessoramento, encarregado de avaliar os critérios para o uso de agrotóxicos no País. Cabe à Anvisa analisar se o produto é seguro à saúde. O Ibama, por sua vez, procura mensurar o impacto do uso do agrotóxico no meio ambiente.
“Não são apenas critérios econômicos que devem ser avaliados. Há outros pontos importantes, como segurança, que têm de ser levados em consideração?, afirma um analista de saúde.
A redação do texto foi apresentada no comitê há menos de três meses. Nem Anvisa nem Ibama participaram da elaboração do documento. Procurada, a Anvisa não se manifestou. A diretora executiva do Sindiveg, Sílvia Fagnani, disse que o sindicato participou das discussões para a preparação do texto. O Ministério da Agricultura afirmou apenas que a MP está em avaliação. O Ministério da Saúde disse desconhecer o tema.
Idec repudia medida
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) considera que esta ação é um atentado à saúde dos brasileiros e enviou, no dia 25 de março, uma carta ao Presidente Michel Temer e ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) repudiando qualquer tentativa de flexibilizar as regras atuais de autorização do uso de agrotóxicos no Brasil. “A regulação deve considerar o alto grau de periculosidade e nocividade que os resíduos de agrotóxicos representam à saúde e à segurança dos consumidores”, afirma Elici Bueno, coordenadora executiva do Idec.
Além da questão de segurança, a carta também aponta que a iniciativa seria absolutamente inconstitucional, pois Medidas Provisórias só podem ser adotadas em situações excepcionais, em casos urgentes e com alta relevância social.
Panorama alarmante
Em 2016, o Ministério da Saúde lançou um relatório que confirma o uso ostensivo de agrotóxicos no Brasil e aponta que entre 2007 e 2013 houve um aumento desproporcional da comercialização do produto em comparação à área plantada. No mesmo período, quase 70 mil casos de intoxicação por agrotóxicos foram registrados no país.
“O país já é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, o que traz graves consequências à saúde da população e ao meio ambiente. Uma medida como essa pode agravar ainda mais a situação”, diz Mariana.
Diante disso, o Idec espera que tal Medida Provisória não seja apresentada, pois considera a ação um desrespeito ao direito de todos os brasileiros a uma alimentação adequada e saudável.
Chega de Agrotóxicos
Esta não é a primeira vez que surge alguma medida ou projeto que visa a flexibilizar a regulação e a fiscalização do uso de agrotóxicos no país. Diversos projetos de lei propõem uma série de medidas para facilitar ainda mais o uso destes produtos no Brasil.
O Projeto de Lei (PL) nº 3.200/2015, por exemplo, pretende alterar o nome do termo “agrotóxico” para “produto defensivo fitossanitário e de controle ambiental”, o que pode causar uma falsa impressão de que estes produtos são menos tóxicos e menos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Junto a outras organizações, o Idec lançou recentemente a plataforma Chega de Agrotóxicos, que visa a barrar esse e outros PLs que querem facilitar o uso desses venenos no Brasil. Lançada em 16 de março, a plataforma já recebeu o apoio de mais de 48 mil pessoas. Apoie você também!
Fonte: O Estado de S. Paulo; Idec